Na impossibilidade de fazer uma viagem de regresso àquele tempo, temos de nos valer da capacidade de imaginação e usá-la para sermos transportados para aqueles dias tão saudosos.
Imagino um encontro do teólogo Justino Mártir com Celso, o escritor e incrédulo, ambos do segundo século. É bem possível que tenham se encontrado, e poderiam ter tido um diálogo que destaca importantes dados sobre uma pergunta que tem incomodado as igrejas através dos séculos:
– Justus, por que cargas d’água vocês não fecham esta escola? Vocês são uns perdedores, ninguém presta atenção…
– Celso, que felicidade te encontrar! Desde nosso último encontro muitas coisas aconteceram.
E sussurrando no ouvido, diz:
– Sabias que temos mais irmãos novos, inclusive da elite?
– Só loucos te ouvem, Justus.
– Celso, meu amigo, você quer saber como tudo começou? Tens tempo?
Justino dirigiu-se rápido para o seu casebre seguido pelo escritor. Em chegando, lugar simples, pobre, mas cuidado, foi abrindo pergaminhos e mostrando detalhes que Celso nem poderia ter sonhado. Iniciou com a história do ricaço Zaqueu (Lc 19.8), que por causa da pequena estatura subira numa árvore para lá de cima ver o Mestre de quem ouvira falar. Mas qual surpresa, quando de longe ouviu: – Desce depressa, Zaqueu, pois quero pousar na tua casa!
Justino continuou dizendo que a impressão causada sobre este Zaqueu, um homem odiado e visto como um traidor do seu povo por cobrar impostos para o César foi tal que ninguém o reconheceu mais.
– Sabe honorável Celso, aquela avidez e ganância pelos denários e riquezas como eu também tinha, se lembra? Pois é, desapareceu instantânea e completamente. Zaqueu declarou, inclusive, que todo aquele que ele tivesse extorquido ele restituiria quatro vezes mais. Além disso, a metade dos seus bens ele estava destinando aos pobres!
– Quando li isso pela primeira vez, disse Justino, não acreditei. Mas fui examinar o livro-texto do Mestre, e descobri instruções claras, tanto para o caso de roubos, como tratar os pobres, e muitas outras questões difíceis, que – naquela cultura – todo homem precisava aprender de cor! (Êx 22.1). Mais ainda, que os sábios elogiavam quando se dava um bom tratamento ao pobre (Pr 14.21,31), e que um sinal evidente dos seus profetas era insistir sem medo que o Criador queria justiça social acima de qualquer outro tipo de ritualística religiosa. (Is 58.6-7)
Justino também se lembrou do dia em que Simão Pedro perguntou ao Mestre o que eles ganhariam por terem deixado tudo.
– Celso, eles, os seguidores deste Yeshua tinham deixado tudo para segui-lo! E você sabe o que aconteceu assim que Pedro deu sua primeira palavra pública? Mais de três mil pessoas vieram para o lado dele. E entre eles tinha gente de posses, que, sem serem ‘cobrados’, espontaneamente venderam propriedades, e trouxeram o dinheiro para os líderes-anciãos, e estes fizeram o quê? Repartiram entre os necessitados! O narrador, doutor Lucas, escreve que “entre eles não havia nenhum necessitado” e que “ninguém considerava como suas propriedades”. (At 4.32,34-37)
– Já imaginou mui paciente Celso, que transformação naquela sociedade? Imaginou o sentimento que os pobres tiveram, pois nunca tinham nem mesmo sonhado que algum dia iriam sair do seu estado de miséria? Lucas fala também de José, que vendeu uma propriedade e trouxe o resultado da venda para os apóstolos. Sabe que nome os líderes lhe deram? ‘Barnabé’, que quer dizer ‘filho da consolação’, isto é, aquele que é como o Pai, que é o Consolador por excelência![1]
A conversa não tinha fim. Celso, boquiaberto, ouvia e em sua mente anotava… Por fim Justino arrematou:
– Vês por que continuo a ensinar? Não temos um programa político nem social – esperamos que cada um que vem para o nosso lado se torne completamente livre para fazer o que quiser com o que tem, mas que, sobretudo, tenha essa sensibilidade solidária com o seu próximo.
(Extraído do nosso livro/e-book A GENEROSIDADE COMEÇA DE CIMA, Parte I, De Volta ao Século II – Págs. 21-23)
Rev. Rudi Augusto Krüger – Diretor, Faculdade Uriel de Almeida Leitão; Coordenador, Capelanias da Rede de Ensino Doctum – UniDoctum [email protected]
[1] Atos 4.32, 34-37.