UM POUCO DE HISTÓRIA – Champollion e a pedra de Roseta
Segundo o Guia Verde Michelin, Egito, (2002, p. 86), “os egípcios dispunham de três escritas distintas: uma delas chamada heráldica, com caracteres cursivos, era escrita da direita para a esquerda em coluna e depois em linha; a segunda delas é chamada de demótica, sobretudo cursiva, escrita da mesma forma que a primeira; e a terceira, a hieroglífica”. De acordo com essa mesma fonte, apenas a escrita hieroglífica foi utilizada durante toda a antiguidade egípcia, com poucas variações fonéticas ou simbólicas, a não ser em algum grafismo. Acreditava-se previamente que os hieróglifos eram somente pictogramas, com sentido apenas místico ou espiritual, sem nenhuma correspondência com a língua falada no Egito. Somente foi possível decifrar o significado dessa escrita após a descoberta de um fragmento de uma estela na cidade de Roseta, no Delta do Nilo, na campanha empreendida ao Egito por Napoleão Bonaparte no final do século XVIII. Essa estela, hoje conhecida como a Pedra de Roseta, continha um decreto de Ptolomeu V, (rei do Egito de 204 a181 a.C.), gravado em hieróglifo, demótico e grego o que permitiu ao francês Jean-François Champollion decifrá-la, marcando uma nova era para a arqueologia e, sobretudo para a egiptologia.
A grande descoberta dos símbolos egípcios não se deu por acaso. Inúmeros outros pesquisadores já estudavam a famosa pedra desde sua chegada ao continente europeu, principalmente os ingleses, que se apoderaram dela ainda na época napoleônica. Contam que os ingleses e os suecos já estavam trabalhando, independentemente, em cópias em papel carbono da Pedra de Roseta, obtendo pouco avanço em seus estudos. Dois pesquisadores se destacaram no estudo da Pedra de Roseta, sem muito sucesso: um inglês chamado Thomas Young e um sueco, Johan David Akerblad. Posteriormente, um jovem francês estudioso de línguas antigas desde a infância se interessou por contribuir com esse trabalho, tendo recebido também uma cópia semelhante da estela de Roseta, além das informações técnicas dos poucos avanços auferidos pelos seus antecessores. A primeira descoberta do francês foi em 1821, quando, estudando a Pedra de Roseta, traduziu a palavra “Ptolomeu” e concluiu que a escrita egípcia era um sistema gráfico complexo com parte fonética e a outra composta de ideogramas.
A partir daí as descobertas não pararam. Segundo Brown (1998) – “Civilizações Perdidas, Egito: Terra dos Faraós”. Ed. T-Life Livros – aquela que deu a Champollion definitivamente a condição do grande descobridor da leitura hieroglífica ocorreu em 14 de setembro de 1822, “quando ele estava trabalhando em uma inscrição dentro do templo de Abu-Simbel”, localizado no extremo sul do Egito, quase na fronteira com o Sudão. Ainda segundo a mesma fonte “até então somente haviam sido decifrados nomes próprios e palavras do Egito helenístico, (Último Período). Quando descobriu um nome novo – o de um rei, porque o grupo de grifos estava disposto em uma oval, ou cartucho –, ele reconheceu os dois últimos signos com sendo ‘s-s’ e, baseando-se em seus trabalhos anteriores, supôs que o signo precedente fosse ms”. O primeiro era uma figuração estilizada do sol. Champollion sabia que na língua copta o disco solar significava a palavra “Rá”, obtendo-se dessa forma a palavra “Rá-ms-s-s”, ou seja, o nome do faraó Ramsés. A língua copta representa a última fase da língua egípcia, acrescida de palavras gregas e latinas, já escrito em alfabeto grego com alguns símbolos e fonemas provenientes da antiga língua egípcia. Ela foi falada na região até ser superada pela língua árabe, que se instala no Egito a partir do século VII. O copta ainda é utilizado nas liturgias das igrejas ortodoxas e católicas coptas.
Da mesma forma, estudando um segundo cartucho contendo o mesmo fonema ‘ms’, Champollion percebeu que o primeiro símbolo apresentado era de uma íbis, um ave do Vale do Rio Nilo muito conhecida, associada a Thot – deus do antigo Egito com aparência dúbia, retratado muitas vezes como um babuíno assentado junto a um escriba; outras vezes como uma íbis sozinha, ou mesmo sob a forma de um homem com a cabeça desse pássaro –, muito representado nas inscrições egípcias nas suas mais variadas formas. Champollion então chegou finalmente ao nome de “Thot-ms-s”, ou Tutmés.
Uma grande dificuldade também observada para se decifrar a Pedra de Roseta é que o faraó, apesar de ter o nome sempre colocado em um cartucho – figura geométrica composta de uma oval alongada e simétrica terminada com um traço em uma das extremidades –, pode ter outros nomes com grafias diversas, ou formas distintas de escrevê-los, com complementos dentro ou fora do mesmo cartucho. Ou seja, observa-se que muitas vezes em um mesmo monumento, o nome de determinado faraó encontra-se grafado em dois ou mais cartuchos cujos pictogramas são diferentes por representarem denominações diferentes da mesma pessoa, mas que possuem o mesmo peso e reconhecimento. É esse o caso do cartucho do faraó Ramsés II, por exemplo, mostrado na figura, obtida do pedestal do obelisco faltante de Ramsés II, do Templo de Luxor, cujo modelo não foi o utilizado pelo pesquisador francês nessa sua descoberta, mas que também pertence ao mesmo faraó, com complementos associados ao seu nome.
Brown (1998), conclui a propósito da descoberta de Champollion, que definitivamente encerrava a discussão sobre o significado dos hieróglifos, com o que esse pesquisador dizia a respeito das suas próprias conclusões a propósito dos hieróglifos: “é uma escrita simultaneamente figurativa, simbólica e fonética no mesmo texto, na mesma frase, eu diria na mesma palavra”.
[1] *José Celso da Cunha, engenheiro civil, doutor em Mecânica dos Solos-Estruturas pela ECP- Paris, escritor e ex-professor da Escola de Engenharia da UFMG. É membro da ABECE, do IBRACON, da Academia Caratinguense de Letras e membro correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni. E-mail: [email protected].
[1] **Com base na série do autor: “A História das Construções” ― www.autenticaeditora.com.br .
As fotografias das construções apresentadas neste artigo foram tiradas pelo autor.