Ildecir A.Lessa
Advogado
Chegou a hora de abrir mais uma vez, a caixa preta do Judiciário. O nome da polêmica é o auxílio-moradia dos magistrados. A ponta do iceberg foi a matéria sobre o duplo auxílio-moradia recebido pelo juiz da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Marcelo Bretas, e por sua esposa, que também é magistrada. Esse magistrado é o titular da Vara Federal, por onde tramitam as ações da Lava Jato no Rio de Janeiro. O Juiz recebe o benefício desde 2015, amparado por uma decisão judicial que contraria a Resolução nº 199 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cujo teor proíbe o benefício em duplicidade para casais que morem na mesma residência. A reboque vem o juiz Sérgio Moro, proprietário de um imóvel em Curitiba. Moro recebe o benefício, no valor de R$ 4.377, ainda que tenha apartamento próprio em Curitiba. Em declaração à imprensa, afirmou que o benefício serve de compensação pela falta de reajustes para os juízes. Uma questão importante surge a reboque: o que é legal é sempre justo?
A questão desse auxilio só foi estendido a todos os magistrados e membros do Ministério Público do país por conta de uma liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, em setembro de 2014. Evidente que, a decisão gerou um gasto estrondoso para os cofres públicos. Dentre as beneficiadas com a interpretação, está a própria filha do ministro, Marianna Fux, que é desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e possui dois imóveis na capital. Eis que outra questão se coloca: o Judiciário está isento de interesses ao julgar? Magistrados, promotores de Justiça e defensores públicos, com paridade de vencimentos, têm hoje uma remuneração que gira em torno de 30 mil reais. Esse tema polêmico, parece que vai gerar ampla discussão, relativas aos direitos e privilégios dos que compõem o Sistema de Justiça.
Existe uma profunda análise, para o início da polêmica, como as férias de 60 dias e os demais auxílios – de ajuda de custo para vestuário à compra de livros. Esses privilégios, restritos ao Judiciário, entram em confronto direito, com a realidade brasileira. Surge o tema, como consequências da superexposição do Judiciário e seu comportamento como ator político. Há pouco tempo passado, o Judiciário era um “ilustre desconhecido”. Hoje o Judiciário está na agenda midiática e pública. Esse é um processo que vem sendo construído há alguns anos. Durante o julgamento do mérito e dos recursos da Ação Penal 470, o “mensalão”, em 2012 e 2013, termos técnicos antes inimagináveis à linguagem jornalística, estiveram em quase todas as chamadas e manchetes de jornais. Em dezembro de 2016, foi organizada uma manifestação na Avenida Paulista em apoio à Lava Jato. É curioso que, poucos dias antes do auxílio-moradia tomar conta dos jornais e das redes sociais, a outra pauta que reinava absoluta era a da condenação do ex-presidente Lula no Tribunal Regional Federal da 4a Região(TRF4), no processo relativo à operação Lava Jato. O julgamento-espetáculo teve torcida organizada nas ruas, contou com bloqueio aéreo, terrestre e naval ao redor do Tribunal e foi transmitido ao vivo. As pautas sobre o julgamento de Lula e o auxílio-moradia podem parecer díspares, mas acabam por trazer à tona a necessidade de uma análise detalhada sobre a “isenção” do processo. O trâmite legal dos procedimentos garante sua lisura? Como? Por quê? O que vale para um vale para todos? Essas são perguntas fundamentais, feitas por uma sociedade que começa a entender o comportamento do Sistema de Justiça. Os questionamentos sobre os benefícios classistas podem aparecer agora num primeiro plano, mas estão imbricados numa questão latente sobre o funcionamento da Justiça – que tem tudo para explodir em breve. O nível de exposição das instituições judiciais chegou em um ponto de saturação que impressiona. Se, de alguma forma, isso alçou juízes e promotores a celebridades, por outro lado, abriu espaço para revelar distorções e arbitrariedades que antes só eram percebidas por quem acompanhava o meio jurídico de perto. São dois eixos de um mesmo movimento e, ao que parece, algo começa a mudar. Há um histórico que mostra como o Direito e, em especial, a magistratura são tomados por uma determinada classe social. A CPI do Judiciário, em 1999, e a Reforma, em 2004, com suas discussões sobre o controle externo e a famosa “caixa-preta”, são eventos importantes a mostrar a pertinência de tais demandas.
A democratização do Sistema de Justiça foi e ainda é uma questão não resolvida. O que acontece agora é que, para o bem e para o mal, os holofotes não permitem mais uma acomodação silenciosa de interesses. Estar na agenda pública tem seu preço. Foi rápido o pulo de vilão a mocinho, mas há problemas profundos demais no Judiciário para que seja possível ficar muito tempo em cena sem que eles apareçam. Um desses problemas crônicos é que, a Justiça contínua sistematicamente morosa, despreparada para atendimento das demandas sociais e, lotada de servidores sem vocação e destreza para o exercício dos cargos ocupados. É só olhar além da cortina do Judiciário e verá.