Eugênio Maria Gomes
Tenho falado, insistentemente, sobre a questão da desigualdade racial no Brasil e de como precisamos reverter esse vergonhoso quadro que assola o nosso país, deixando milhões de pessoas sem vez e sem voz, ao longo de toda a nossa história. Retorno ao tema – e o farei enquanto tiver espaço e forças – por entender que, um país de negros somente poderá ser próspero e feliz se os seus negros, também, forem prósperos e felizes. Ademais, temos uma dívida histórica com esses nossos irmãos que ajudaram a construir a nação que, hoje, usufruímos melhor que eles, ainda assim aos trancos e barrancos, isso por conta da maioria branca que a governa.
Das mais de seiscentas mil pessoas presas no Brasil, cerca de 80% delas estão nessa condição por conta do tráfico de drogas e por roubo; 70% são analfabetas ou não têm o ensino fundamental completo e, pasmem, a maioria – cerca de 67% – é da raça negra. Ah! Os negros traficam e roubam mais que os brancos? Claro que não, eles são mais marginalizados, compõe a grande maioria dos mais pobres e dos sem oportunidades do país. Isso fica claro quando olhamos a outra ponta da escala de combate aos crimes, a exemplo da Operação Lava Jato: após três anos de deflagrada, a operação prendeu duas centenas de pessoas e, até o momento, apenas um negro compõe a estatística. Ah! Então, quando o assunto é a corrupção, os brancos roubam mais? Também não. É que só os brancos têm acesso aos altos escalões empresariais e governamentais, onde a corrupção está presente em escala elevadíssima, já que a elite brasileira é branca.
Recentemente, tive a felicidade de entrevistar o professor e pastor negro, Marco Antônio dos Santos, presidente da Igreja Metodista de Caratinga. Formado em Ciências Sociais e Teologia, pós-graduado em Gestão Estratégica e em Aconselhamento Cristão, membro do Conselho Municipal de Assistência Social e da Pastorear – Conselho de Pastores -, coordenador da Fundação Metodista e cooperador do Movimento Negro São Benedito em Caratinga, ele é acima de tudo um homem inteligente, feliz, de bem com a vida e muito consciente sobre a situação do negro no país. Para ele, a questão da discriminação racial no Brasil fica evidente quando observamos a própria localização residencial dos grupos étnicos, bastando responder à questão “onde moram os negros”…
De fato, esse negócio de falarmos que o racismo por estas bandas é meio que “velado”, não encontra respaldo na nossa conformação social. Quantos negros foram prefeitos da sua cidade? Quantos ocupam o cargo de vereador? Quantos negros possuem o curso superior? E as empresas, quantas são dirigidas por negros? Quantos negros residem nos condomínios luxuosos? As respostas a essas perguntas mostram, claramente, quão escancaradamente é racista a nossa sociedade, apesar de não deixar claro ao “inimigo” o que tem contra ele. Essa é uma das piores faces do nosso racismo: fazer de conta que não se importa com a cor da pele, quando na verdade não se importa é com nada no que diz respeito a ela, preferindo fazer de conta que está tudo bem, tudo certo.
O pior é que, em alguns casos, quando nos interessa, camuflamos a raça negra, bem na linha do “é tão bom, que parece branco”. Quando Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos chegamos a nos perguntar quando teríamos o nosso presidente negro. É que nos esquecemos de que já o tivemos. Não apenas um, mas, três. No entanto, até os nossos presidentes da república negros fazemos questão de ignorar, inclusive retratando-os como brancos, como muito bem o fez parte da imprensa e alguns historiadores na época… Sim, já tivemos alguns presidentes negros: Nilo Peçanha, Rodrigues Alves, Washington Luiz… Todos mulatos, negros, mas que eram tidos como “brancos” por conta de suas posições sociais elevadas…
Sempre bem-vinda seja a Operação Lava Jato! Não apenas porque pune os corruptos, mas, também, porque escancara a nossa desigualdade racial e nos leva a colocar em pauta, mais uma vez, esse nosso velado racismo.
Conta a história Em 1647, em Nimes, na França, na universidade local, o doutor Vicent de Paul D’Argenrt fez o primeiro transplante de córnea em um aldeão de nome Angel. Foi um sucesso da medicina da época, menos para Angel, que assim que passou a enxergar ficou horrorizado com o mundo que via. Disse que o mundo que ele imaginava era muito melhor. Pediu então ao cirurgião que arrancasse seus olhos. O caso foi acabar no tribunal de Paris e no Vaticano. Angel ganhou a causa e entrou para a história como o cego que não queria ver…
Nós, brasileiros, estamos como esse aldeão. Nos recusamos a enxergar a brutal discriminação racial que nos circunda, tentamos escondê-la, atenuá-la, embranquecê-la… fazemos justiça à frase de que a cegueira mais incurável, é aquela onde o cego se recusa a ver!
- Eugênio Maria Gomes é professor e Pró-reitor de Administração da Unec. Membro das Academias de Letras de Caratinga e Teófilo Otoni e presidente da AMLM- Academia Maçônica de Letras do Leste de Minas. É membro do Lions Clube Caratinga Itaúna, do MAC- Movimento Amigos de Caratinga e da Loja Maçônica Obreiros de Caratinga. É Grande Secretário de Educação e Cultura do GOB-MG, diretor da Unec TV e apresentador de programas de televisão nas emissoras Super Canal TV, TV Sistec e Unec TV.