Mesmo morando em um asilo, dona Lurdes não reclama. Ela sabe que a vida a separou de seus filhos, mas vibra com as visitas constantes da neta. Aos 75 anos, a idosa ainda acalenta um sonho: ter casa própria
Sentada em uma cadeira de plástico, com um sorriso no rosto, olhando para o horizonte, segurando com uma das mãos o andador que trouxe de casa e que quase não consegue mais usá-lo para se locomover por falta de força em uma das mãos. O pensamento de Lurdes Ângela da Cruz, 75 anos, parecia estar longe. Mas onde? Nos filhos que não a vistam há muito tempo? Na casa que sonha em ter?
A reportagem do DIÁRIO DE CARATINGA conversou com a idosa, que veio do distrito de Palmeiras, zona rural de Manhuaçu. Em Caratinga, já está há mais de 30 anos. Morou na Rua Princesa Isabel e na Rua da Cadeia e atualmente sua residência é o Lar dos Idosos Monsenhor Rocha, no Bairro Santa Cruz.
Dona Lurdes não guarda mágoas e nem diz que foi abandonada. Ela sabe que a vida levou seus filhos para morar em outras cidades e que as condições financeiras impossibilitam as visitas. O único elo com a família é sua neta, que faz visitantes constantes à dona Lurdes.
Quantos filhos a senhora têm e onde moram?
Quatro homens, um mora em Ipatinga e três em Belo Horizonte.
Quantos netos?
Dois netos e um bisneto.
Filhos e netos visitam a senhora?
Meus filhos, não. Tenho uma neta, em Caratinga, que trabalha durante a semana, mas vêm todos os domingos. Meu filho de Belo Horizonte, o Adão, a manda trazer o celular para falar comigo.
A senhora sente muitas saudades deles?
Eu sinto muitas saudades (neste momento dona Lurdes demonstra tristeza em seu olhar).
A senhora é casada?
Sou viúva, mas já tem tanto tempo que nem me lembro de quando foi. A gente ainda morava em Palmeiras. Meu esposo se chamava Sebastião Gonçalves da Cruz.
Quem trouxe a senhora para o Lar dos Idosos?
Essa neta que mora aqui em Caratinga. Eu pedi pra ficar na casa dela, mas ela disse que era muito difícil porque trabalha durante a semana e costuma sair aos sábados com o marido. Então, eu ficaria sozinha e não teria ninguém pra cuidar de mim. Tadinha, ela trabalha e tem que sair com marido mesmo pra se divertir.
A senhora queria continuar em casa?
Muito, não queria vir para cá. Mas para não perturbar ninguém, eu vim.
A senhora gosta de morar aqui no Lar?
Eu gosto, aqui é bom. Aqui dentro nunca discuti com ninguém. Não me falta nada, compram remédios, as camas são trocadas todos os dias e nos tratam com carinho.
A senhora tem vontade que os filhos venham visitá-la?
Muita vontade, mas para eles é difícil. Ganham pouco, todos têm família, ninguém tem casa própria, todos pagam aluguel.
A senhora tem vontade de morar com um deles?
Não quero atrapalha a vida deles. Uma nora não me quis, disse que não olhou nem a mãe dela e que não olharia a sogra.
A senhora se sente sozinha aqui?
Sim, dá vontade de voltar pra casa da gente, cuidar das minhas coisas que deixei no porão da casa da minha neta. Tenho tudo de dentro de uma casa, só não tenho casa.
A senhora tem qual problema de saúde?
Não ando mais, apenas com ajuda de andador, mas até assim tá ficando difícil, porque já não tenho força em uma das mãos.
A senhora sente mágoas dos filhos por não terem a abrigado? E da neta?
De jeito nenhum, sei que a situação deles não é boa. Da neta também não, ela é pobre. Se ela tivesse condições, não me traria para o asilo.
O que a senhora faz aqui?
Nada. Deito 20h e acordo 6h para tomar banho.
O que a senhora mais gosta de fazer?
Nada. Só fazia serviço de casa, trabalhei por 26 anos no hospital. Também trabalhei sete anos no antigo Hotel Suísso. Fazia serviço de limpeza.
Qual a comida preferida da senhora?
Não tenho. Mas aqui não me falta nada, tem o café da manhã, o almoço, o café da tarde e 16h30 o jantar. Na hora de deitar dão uma canequinha de mingau.
Qual o sonho da senhora?
Ter a minha casa pode ser um barraquinho, até um cômodo só. Morar sozinha, sem amolar ninguém, mas num cantinho que seja só meu. E quando eu tiver você (a repórter que a entrevistou) pode me visitar para a gente conversar, contar casos e sermos amigas.
Não é o caso de dona Lurdes, afinal ela ainda tem contato com seus familiares. Mas uma grande quantidade de idosos vive uma situação triste, pois os filhos abandonam seus pais e se esquecem do amor e do sacrifício que eles fizeram e quando chega a hora de retribuir toda a dedicação, pulam fora da responsabilidade e deixam seus idosos num asilo.
A família, nos últimos tempos, se transformou. Atualmente atribui-se para historiadores e jornalistas a responsabilidade de trazer a tona algumas ideias sobre a representação histórica da família. Há 150 anos, tínhamos uma representação diferente. A família era constituída pelos avós, os pais e as gerações mais novas. Havia um grande e merecido respeito atribuído aos mais velhos. Logicamente já existiam estudos sobre abandono e também sobre a atuação de asilos e casas de “repouso”. Entretanto, o processo do envelhecer era acompanhado mais “de perto” pelos familiares.
Os idosos eram responsáveis pelas histórias, contos e pelos diversos “causos” que eram transmitidos à noite, nos finais de semana, quando todos estavam reunidos. Eles (idosos) eram os responsáveis pelas tradições do passado que reviviam nas festas, encontros, feiras etc. Eram respeitados como àqueles que mantinham vivas as memórias das antigas gerações. Entretanto, hoje vivemos novos tempos.
O mundo do trabalho e a economia dinâmica impõem aos homens e mulheres em fase adulta responsabilidades e obrigações que os fazem pensar e decidir o destino dos idosos. Na maioria dos casos, torna-se mais fácil delegar as suas responsabilidades de filhos e netos aos asilos.
Um comentário
Ivone Boechat
Para quem tem mais de 65 anos
Ivone Boechat (autora)
1 – Tome posse da maturidade. A longevidade é uma bênção! Comemore! Ser maduro é um privilégio; é a última etapa da sua vida e se você acha que não soube viver as outras, não perca tempo, viva muito bem esta. Não fique falando toda hora: “estou velho”. Velho é coisa enguiçada. Idade não é pretexto para ninguém ficar velho. Engane a você mesmo sobre a sua idade, porque os psicólogos dizem que se vive de acordo com a idade declarada!
2 – Perdoe a você antes de perdoar os outros. Se você falhou, pediu perdão? Deus já o perdoou e não se lembra mais. Mas você fica remoendo o passado… Não se importe com o julgamento dos outros. Só há dois times no Universo: o do Salvador e o do acusador. Neste último você sabe quem é goleiro. Continue no time do Salvador.
3 – Viva com inteligência todo o seu tempo. Viva a sua vida, não a do seu marido, dos filhos, dos netos, dos parentes, dos vizinhos… Nem viva só pra eles, viva pra você também. Isto se chama amor próprio, aquilo que você sacrificou sempre! Nunca viva em função dos outros. Faça o seu projeto de vida!
4 – Coma muito menos; durma o suficiente; não fique o dia inteiro, dormindo, dando desculpa de velhice. Tenha disciplina. Fale com muita sabedoria. Discipline sua voz: nem metálica, nem baixinha; seja agradável!
5 – Poupe seus familiares e amigos das memórias do passado. Valorize o que foi bom. Experiências caóticas, traumas, fobias, neuroses, devem ser tratadas com o psicoterapeuta. Não transforme poltrona em divã, ouvido em descarga.
6 – Não aborreça ninguém com o relatório das suas viagens. Elas são interessantes só pra quem viaja. Ninguém aguenta ouvir os relatórios e ver fotografias horas e horas. Comente apenas o destino e a duração da viagem, se alguém perguntar. Aprenda a fazer uma síntese de tudo, a não ser que seus amigos peçam mais detalhes. Se alguém perguntar mais alguma coisa, seja breve.
7 – Escolha bons médicos. Não se automedique. Não há nada mais irritante do que um idoso metido a receitar remédio pra tudo o que o outro sente. Faça uma faxina na sua farmácia doméstica.
8 – Não arrisque cirurgias plásticas rejuvenescedoras. Elas têm prazo curto de duração. A chance de você ficar mais feio é altíssima e a de ficar mais jovem é fugaz. Faça exercícios faciais. Socorra os músculos da sua face. Tome no mínimo oito copos de água por dia e o sol da manhã é indispensável. O crime não compensa, mas o creme compensa!
9 – Use seu dinheiro com critério. Gaste em coisas importantes e evite economizar tanto com você. Tudo o que se economizar com você será para quem? No dia em que você morrer, vai ser uma feira de Caruaru na sua casa. Vão carregar tudo. Não darão valor a nada daquilo que você valorizou tanto: enfeites, penduricalhos, livros antigos, roupas usadas, bijuterias cafonas, ouro velho… prataria preta, troféus encardidos, placas de homenagens. Por que não doar as roupas, abrir um brechó ou vender todas as suas bugigangas, apurar um bom dinheiro e viajar?
10 – A maturidade não lhe dá o direito de ser mal educado. Nada de encher o prato na casa dos outros ou no self-service (com os outros pagando); falar de boca cheia, ou palitar os dentes na mesa de refeições (insuportável).
11 – Só masque chiclete sem testemunhas. Não corra o risco de acharem que você já está ruminando ou falando sozinho.
12 – Aposentadoria não significa ociosidade. Você deve arranjar alguma ocupação interessante e que lhe dê prazer. Trabalhar traz muitas vantagens para a saúde mental, além do dinheiro extra para gastar, também com você.
13 – Cuidado com a nostalgia e o otimismo. Pessoas amargas e tristes são chatíssimas, as alegres demais, também. Elogie os amigos, não fique exigindo explicações de tudo. Amigo é amigo.
14 – Leia. Ainda há tempo para gostar de aprender. A maturidade pode lhe trazer sabedoria. Coloque-se no grupo sempre pronto para aprender. Não se apresente em lugar nenhum dizendo: sou muito experiente!
15 – Não acredite nas pessoas que dizem que não tem nada demais o idoso usar roupas de jovens, cuidado. Vista-se bem, mas com discrição. Cuidado com a maquiagem, se for pesada, você vai ficar horrível.
16 – Seja avó do seus netos, não a mãe nem a babá. Por isso nem pense em educá-los ou comprometer todo o seu tempo com as tarefas chatas de ir buscar na escola, levar a festinhas, natação, inglês, vôlei… Só nas emergências. Cuidado com aquela disponibilidade que torna os outros irresponsáveis.
17 – Se alguém perguntar como vão seus netos, não precisa contar tuuuuuuuudo! Evite discorrer sobre a beleza rara e a inteligência excepcional deles. Cuidado com a idolatria de neto e o abandono dos filhos casados…
18 – Não seja uma sogra chata. Nunca peça relatório de nada. Seu filho tem a família dele. Você agora é parente! Nunca, nunca, nunca mesmo, visite seus filhos sem que seja convidado. Se o filho ligar pra você, não diga: ah! lembrou finalmente da sua mãe? É melhor dizer: Deus o abençoe meu filho.
19 – Cuidado em atender ao telefone: se a pessoa perguntar como você vai e você responder “estou levando a vida como Deus quer”; “a vida é dura”; “estou preparando a partida”; “estou vencendo a dureza”; você vai ver que as ligações dos amigos e dos parentes vão rarear, cada vez mais.
20 – A maturidade é o auge da vida, porque você tem idade, juízo, experiência, tempo e capacidade para se relacionar melhor com as pessoas. Então delete do seu computador mental o vírus da inveja, do orgulho, da vaidade, promiscuidades, cobranças, coisas pequenas e frustrantes para tomar posse de tudo o que você sempre sonhou: a felicidade.
Extraído do livro Educação-a força mágica de Ivone Boechat