CARATINGA – Hoje é o dia dedicado àquele sentimento contemplativo, que nos leva até ao isolamento: a saudade. Então, atire a primeira pedra quem nunca sentiu saudade.
Embora todos nós já vivenciamos essa experiência, é algo quase inexplicável, tido por muitos como procurar e não encontrar ou esperar por algo que não irá novamente acontecer. Conforme o Dicionário Aurélio, a saudade é a “lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las; nostalgia”.
Os nativos da língua portuguesa se orgulham em dizer que são os únicos a terem uma palavra com esse sentido. Mas não é bem assim. O termo vem do latim solitas, cujo significado é solidão. Este vocábulo tão bonito e expressivo existe em outros idiomas, embora tenha sido considerado por uma empresa britânica, que ouviu diversos tradutores; a sétima palavra mais difícil de se traduzir. Isso acontece porque muitas palavras, de acordo com o país, cultura e outros fatores, adquirem diferentes significados. Para comprovar isso, a palavra saudade recebe um termo exato em polonês: tesknota. Ela também consta no léxico alemão, sehnsucht, e apresenta praticamente o mesmo valor da nossa saudade.
E como foi praticamente estabelecido que saudade é uma palavra só encontrada na língua portuguesa, pessoas de outros países passaram a incorporá-la em seu vocabulário. O cantor australiano Nick Cave, que morou no Brasil entre 1989 e 1991, ministrou uma palestra na Universidade de Viena em 1999, cujo tema foi a ‘A Canção de Amor’. Em sua explanação, Nick Cave disse: “A canção de amor é uma canção triste, o som de sua própria desgraça. Nós todos experimentamos por dentro o que a língua portuguesa chama de “saudade”, que traduz uma inexplicável sensação de desejo por algo ou alguém fora do alcance, um inenarrável e enigmático grito da alma por algo que não teremos… E é esse sentimento que vive no reino da imaginação e da inspiração. Que é a base da canção triste, da canção de amor. Que é a luz de Deus, que chega às profundezas, que remexe nossas feridas”.
SENTIR SAUDADE É BOM?
O professor da UNEC e doutor em Psicologia, Marco Antônio Gomes, explica porque as pessoas sentem tanta saudade. Segundo o professor, o ser humano é passível de sentimentos, dotado de emoções como amor, ódio, alegria, tristeza ou saudade. “A cada momento da vida, em cada situação estamos constantemente expostos as mais variadas formas de afetos. No caso da saudade especificamente, está atrelada a emoções “positivas” onde se é experimentado sentimentos de amor, afeto, carinho entre outros. Tais emoções uma vez separadas pelo distanciamento, pela ausência ou falta do objeto desejado, tornam-se carentes, pode causar dor, tristeza e até quadros patológicos como depressão ou comportamentos suicidas”.
Mas o professor esclarece que nem sempre a saudade age de forma tão drástica. “Ela pode e é muitas vezes causa de inspiração para músicos e poetas. Quanto a intensidade, depende de cada pessoa e das situações enfrentadas. Em alguns casos, quando há separação ou afastamento, é temporário, logo esse sentimento é restabelecido, quando diante de perdas permanente como término de relacionamento e falecimento por exemplo, é mais difícil de cicatrizar, mas geralmente são sublimadas com o passar do tempo, por substituição ou mesmo pelos valores religiosos. Ainda no que se refere a saudade ligada a nostalgia, lembranças dos “velhos tempos” essas podem durar para sempre, mas em muitos casos são boas de serem sentidas”.
A saudade pode ser inspiradora, mas também pode ter um lado prejudicial. “Mesmo geralmente estando a saudade ligada a sentimentos positivos (amor, afeto, amizade, carinho etc.), é importante que a utilizemos a nosso favor, como recordar com alegria, em momentos de nostalgia, recordações positivas entre outras. Porém a saudade que nos dificulta seguir em frente, que nos
faz solitários e até mesmo que nos dificulta estabelecermos novos laços de afetos e amizades, essa devemos evitar, buscando para isso, novos significados na vida, outros relacionamento significativos, ou seja, motivos para viver”, orienta o professor.
Embora a data na folhinha aponte que hoje é o Dia da Saudade, todos nós sabemos que não tem dia marcado para sentir saudade. Como diz o final da carta redigida pela personagem Dora, interpretada por Fernanda Montenegro, no filme ‘Central do Brasil’: “tenho saudade de tudo”.
Feliz Dia da Saudade para todos nós.
Saudade como fonte de inspiração
A saudade é um dos principais combustíveis para os poetas. Três grandes nomes de literatura portuguesa, Manoel Bandeira, Clarice Lispector e Fernando Pessoa, souberam como poucos expressar este sentimento.
“Atrás da casa ficava a rua da Saudade… Um lugar onde a saudade é mais sentida, onde aparecem ruas, rios e pontes com seu nome estampado em placas pelo caminho” Manoel Bandeira: poema, Evocação ao Recife.
“Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida”.
Clarice Lispector: De Amor e Amizade: Crônicas para Jovens
Saudade
Eu amo tudo o que foi. Tudo o que já não é. A dor que já não me dói. A antiga e errônea fé. O ontem que a dor deixou. O que deixou alegria. Só porque foi e voou. E hoje é já outro dia.
Fernando Pessoa