Hematologista e hemoterapeuta fala sobre as doenças que estão relacionadas ao sangue, principalmente, a anemia
Os aspectos diagnósticos e terapêuticos das doenças hematológicas benignas (como anemias e trombose), e das malignas (onco-hematológicas como linfomas, leucemias e mielomas); e os avanços no campo das terapias de reposição alternativas à transfusão de sangue são alguns dos temas abordados nesta entrevista, pelo hematologista e hemoterapeuta Roberto Carlos de Almeida.
O médico é natural de Conselheiro Lafaiete. Formou-se em 1999 pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e fez residência em hematologia e hemoterapia no Hospital Felício Roxo, em Belo Horizonte. “Hematologia tem a ver com o tratamento e prevenção das doenças do sangue. A hemoterapia tem a ver com a transfusão, com a medicina transfusional”, ressalta.
Em 2005, Roberto Carlos fez o concurso oficial médico da Polícia Militar, sendo aprovado. Agora, ele está fazendo uma pós-graduação na área de nutrologia.
Qual o perfil de um paciente que procura hoje um hematologista?
Quem implantou a hematologia em Caratinga e na região fomos nós. No começo, os pacientes começaram a ser encaminhados pelos médicos. Algum colega médico de outra especialidade detectava alteração no hemograma, como anemias, doenças dos glóbulos brancos, plaquetas ou tromboses que são hereditárias, alguns casos também de aborto que é causado por trombose. A especialidade foi ficando conhecida e hoje a gente está detectando uma coisa muito interessante, que é a autoinformação. Todo mundo hoje é um autodidata. Grande parte das pessoas que procuram um hematologista hoje é porque elas mesmas querem fazer uma avaliação de exames, como o hematologista é muito focado em exames de sangue e as pessoas sabem que o sangue reflete mesmo em todos os problemas que tem no corpo, então muita gente tem ido por conta própria, sem indicação nenhuma ou porque às vezes pesquisa nos buscadores como o Google e querem serem avaliadas. Ou seja, quanto mais informação a pessoas tem, mais ela vai estar procurando essa especialidade.
Fale um pouco sobre a composição do sangue e suas características.
O sangue tem uma grande característica que é como ele passa em todos os locais do corpo, ele traz uma informação de vários locais. O sangue se comunica com todos os órgãos. Seja a doença puramente do sangue mesmo, ou seja, de outro órgão, ela vai ter uma representação no sangue. Se fosse olhar somente as doenças do sangue, propriamente dito, que é um tecido líquido, a gente classificaria o sangue em glóbulos vermelhos, que são os responsáveis por transporte de oxigênio; os glóbulos brancos, que são os leucócitos, que são constituídos por linfócitos, eosinófilos, basófilos, monócitos e neutrófilos, responsáveis pela resposta imunológica. E temos as plaquetas que olhando no microscópio seriam realmente muito menores do que os glóbulos vermelhos e os glóbulos vermelhos são maiores que os glóbulos brancos e, assim, as plaquetas são os menores elementos, fragmentos de células. Elas evitam o sangramento, como, por exemplo, você tivesse uma tubulação e de repente houvesse, pelo uso ou trauma, um pequeno furo. As plaquetas são a primeira linha de defesa contra a hemorragia. Já chegam tamponando aquele orifício e agregando entre elas, trazendo elementos de coagulação. Mas, se esses fatores de coagulação estiverem alterados, também podem desencadear a trombose. Os íons também estão no sangue, sódio, potássio, magnésio. Tudo passa pelo sangue.
O que é a hemoterapia?
A hemoterapia hoje está muito moderna. Ela começou muito antes nas guerras, na Segunda Guerra desenvolveu um pouco, porque havia um combate corpo a corpo, onde os combatentes iam diretamente, havia muito ferimento, muitos membros amputados e então, começou a se fazer essa transfusão. Por exemplo, você é sangue A e o outro soldado também é sangue A, transfundia até direto, quando não tinha capacidade no campo de batalha de processar. Descobriram a importância de se fazer a transfusão, mas, não é tão simples assim. Com o tempo foi evoluindo e descobriram que tinha que compatibilizar bem os sangues, eles transfundiam o sangue total, de um direto para o outro. Depois descobriram que tinha muita reação e as reações transfusionais eram graves, que havia os grupos sanguíneos, A, B, O E o fator Rh, que também é uma classificação do sangue. A hemoterapia tem a grande vantagem de permitir que cirurgias maiores fossem feitas, antes se fosse uma cirurgia como, por exemplo, do baço e tivesse uma hemorragia que precisasse de sangue, não tinha de onde tirar, não era possível e se transfundisse o sangue total, sem a classificação, poderia realmente levar o paciente ao óbito. Com esse advento da descoberta da classificação dos grupos sanguíneos básicos foi possível programar grandes cirurgias e o número de pessoas que passaram a morrer por causa de complicação de hemorragia foi cada vez menor. Hoje a gente já sabe que tem outros grupos sanguíneos, tem grupo CDE, mais um subgrupo, que também tem que compatibilizar. São mais de 60 subclassificações se tipos de sangue. Elas são muito importantes para pacientes que tomam transfusão com frequência. São menos imunogênicos esses grupos sanguíneos, causam menos reação.
Como funciona a doação de sangue?
Um doador de sangue, desse sangue total que ele doou, é possível retirar as plaquetas. Então, uma unidade de plaqueta para cada doador. É possível retirar também em torno de 300 ml de hemácias e os fatores da coagulação, o fator 8 e fator 9, que vão servir para o tratamento do hemofílico. Mas, ainda não se produz o sangue artificial e a quantidade de sangue que precisa, se for considerar cirurgias e acidentes, é superior à quantidade de sangue doado. Às vezes deixa de se fazer uma cirurgia maior, porque não tem reserva de sangue.
Existem terapias alternativas à transfusão de sangue?
Sim. Existem alternativas para se evitar uma transfusão de sangue. Hoje na clínica, nós desenvolvemos essas terapias. Têm os ‘testemunhas de Jeová’, por exemplo, que por motivo religioso se recusam a receber a transfusão. Mas, as terapias de reposição alternativas à transfusão de sangue são usadas para todos, independentemente da religião. Isso tem ajudado também, porque diminui o consumo do sangue, o uso de transfusão sanguíneo. Às vezes tem um tipo de anemia, por exemplo, que se pode usar uma eritropoietina, uma injeção que produz sangue. Às vezes tem um tipo de anemia que deveria usar somente o ferro venoso. Tem que usar a alternativa certa. Vai ter momento que vai ser muito difícil substituir uma transfusão. Ou também fazer uma hemovigilância, se consegue fazer uma triagem em determinado paciente que iria receber uma transfusão e teve uma intolerância, pode manter o nível de hemoglobina mais baixo e usar outros meios para estar recuperando a própria doença de base, evitando a transfusão.
ANEMIA
O que caracteriza a anemia?
A anemia é classificada como uma diminuição da massa de glóbulos vermelhos. Os glóbulos vermelhos são chamados de hemácias ou eritrócitos e produzidos na medula óssea. Interessante falar de medula, que as pessoas confundem a medula espinhal com a óssea. A medula espinhal é aquela que passa dentro do canal da coluna, constituída do conjunto dos nervos que vão levar a todo corpo a parte periférica de nervos e tronco. E a medula óssea está dentro do osso, é como se fosse um sangue mais pastoso. Já a medula espinhal é sólida. O sangue se produz nos adultos, dentro dos ossos e os ossos principais que produzem o sangue, são os chatos, da coluna; bacia, principalmente; do esterno. Tanto que quando fazemos um exame que se chama mieolograma e a biópsia de medula óssea, o mielgorama pode ser feita no esterno, esse osso chato que tem no meio do peito ou na bacia. Então, quando o sangue não está produzindo corretamente pode levar à anemia. Mas, existem casos que a medula produz normalmente, que também tem anemia, são os casos de perda.
Como diagnosticar?
O exame simples e muito fácil de fazer que detecta não só a anemia, mas um estudo dos glóbulos brancos e plaquetas são hemograma e plaquetas. Um exame que detecta alteração da coagulação é o próprio exame chamado coagulograma. Todo mundo pode reparar, todos os médicos, de todas as especialidades, independente de qualquer que seja a doença, primeiro exame que ele pede, ou junto com os outros se chama hemograma e plaquetas. No hemograma tem um exame que chama hemoglobina, costuma vir com sigla (hb), essa hemoglobina na mulher é tolerável acima de 12 e no homem acima de 13. Tem lá também o hematócrito, que na verdade é uma proporção da hemoglobina e o número de hemácias, em torno de 4,5 milhões. Por aí a gente detecta.
Quais são as causas da anemia?
São muitas as causas de anemia. Mas, o tipo de anemia mais frequente, depende da idade. A anemia na criança é mais frequente por alimentação, deficiência de ferro. No adulto, na mulher, por exemplo, a causa maior seria de hipermenorréia, distúrbio hormonal que leva a um aumento da menstruação. Passando para a mulher que não está na idade fértil e o homem adulto, temos que procurar outras causas, mas, no idoso temos que nos preocupar também com as doenças relacionadas à anemia. Pode ter uma anemia que o motivo dela não está na medula, pode ser um hipotireoidismo, uma doença reumatológica, como uma artrite reumatoide, lúpus ou pode ser uma anemia também causada por perda do estômago, intestinal; às vezes uma úlcera do estômago ou câncer; doenças inflamatórias que sangram. Temos as anemias carenciais, por deficiência de nutriente, seja de ferro, vitamina B12 e por deficiência de ácido fólico; assim detectando a deficiência, corrigindo alimentação e dando o nutriente que está faltando, vai resolver. A deficiência de vitamina B12 e ácido fólico pode acontecer no idoso ou adulto, porque é um problema de absorção. Nesse caso o tratamento é injetável. Já nas causas medulares, todo mundo que chega no consultório fala assim: ‘Vim aqui porque estou com anemia’.
A anemia pode ser o sinal de outras doenças?
A anemia não é uma doença em si, ela é uma alteração de laboratório que tem uma doença por trás dela. Às vezes uma anemia pode ser um sinal de outra doença, seja ela na medula ou em outros órgãos. Uma hemoglobina baixa pode ser um primeiro sintoma, por exemplo, de uma mielodisplasia, doença da medula óssea grave, que começa com uma anemia. Ou uma leucemia também pode começar com a queda de hemoglobina no hemograma e a aplasia de medula, que é a total falta de produção ou quase total de glóbulos vermelhos na medula também vai aparecer inicialmente como uma anemia.
Em que casos a transfusão de sangue para tratamento de anemia é necessária?
Transfusão de sangue é para ser usada, isso eu reforço, mas não deve ser usada para anemia nutricional. A transfusão de sangue hoje é muito segura, mas ainda temos riscos, não risco de contaminação por HIV, hepatite B, porque está muito seguro, mas tem risco de reação transfusional. A transfusão é como se fosse um transplante de tecido líquido. Às vezes acontece de ser transfundido um paciente que poderia estar sendo corrigido com reposição de vitamina B12, ácido fólico. Não deve receber a transfusão, não é aconselhável, por vários motivos, porque sangue também é raro e tem outras maneiras de corrigir.
Qual o nível de tolerância da anemia?
Posso ter uma paciente com a hemoglobina de 9, mas teve hemorragia aguda, como, por exemplo, um acidente e tem os sintomas de anemia, que são fraqueza, dor nas pernas, cansaço, distúrbio de memória; mas também posso ter um paciente com a hemoglobina mais baixa que isso, que é o caso da anemia falciforme, por exemplo e o paciente não ter esses sintomas, porque o organismo já acostumou com aquele valor.
A anemia está ligada à leucemia?
Todo mundo vai ao consultório com anemia, mas na verdade, está com medo de leucemia. É importante não assustar as pessoas, para elas entenderem que a anemia cursa junto com leucemia, mas não é a maioria dos casos. É em torno de 1% a 2%. A maioria dos casos de anemia são casos que podem ser revertidos com tratamento correto e prevenção. Além disso, os linfomas, doença das ínguas, já tem vários estudos mostrando que o fator de etiologia relacionado a origem de cânceres normalmente são substâncias químicas como, por exemplo, exposição ao agrotóxico. As pessoas têm que tomar muito cuidado, temos visto uma banalização dos agrotóxicos, cuidar bem do que come, para não comer nada prejudicial ou tentar amenizar, lembrar-se dos orgânicos. Tudo isso é coisa causadora de câncer, leucemia e linfoma.
Quais recomendações o senhor deixa?
Quem tem criança sabe que é difícil ela se alimentar corretamente e temos as guloseimas, que a gente mesmo às vezes traz para a criança sem saber que faz mal, mas se você dá caloria para uma criança através de balas e biscoitos, ela não vai ter fome para comer coisas que tem ferro, feijão, carne vermelha, as verduras, principalmente aquelas verdes escuras. Tem muito ferro também o açaí, a beterraba. E o que atrapalha a absorção do ferro é o leite, porque ele tem o cálcio que vai quelar ou se ligar ao ferro. Então, criança que toma muito leite e não se alimenta com carne e essas outras coisas, normalmente tem anemia. Mulheres, primeiramente verificar a questão de menstruação ou também é muito comum hipotireoidismo; verificar se tem cisto no ovário, mioma e corrigir isso. É mais preocupante o adulto ou pessoas com mais de 50 anos, por causa do risco de câncer, pode ter um câncer de intestino, do estômago e estar perdendo sangue e na verdade a anemia ser só um sintoma.