CARATINGA – O Hospital Nossa Senhora Auxiliadora (HNSA) está sofrendo uma intervenção administrativa do Ministério Público. O anúncio se deu após a situação enfrentada pelo hospital se agravar, com uma alta dívida e a falta de recursos dos governos Estadual e Federal.
Recentemente, a Associação Mineira de Assistência à Saúde (Aminas), que foi apontada para assumir o HNSA, desistiu da proposta feita à mesa interventora nomeada pelo Governo do Estado. O presidente da Aminas Joel Tristão Júnior não revelou o motivo da renúncia à gestão. Com a desistência, Flávia Eugênia de Souza Rocha, de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, que também manifestou interesse em assumir o gerenciamento do HNSA e teve a
segunda proposta mais bem avaliada pela comissão, assinou o contrato e já está à frente do hospital desde o último dia 12 de junho.
Em entrevista exclusiva ao DIÁRIO DE CARATINGA, Flávia classifica o Hospital Nossa Senhora Auxiliadora como um grande desafio e cita que pretende fazer uma gestão aberta, técnica e participativa.
Fale um pouco sobre sua experiência profissional.
Sou gestora em Saúde Pública, neuropsicóloga, tenho MBA em gestão e auditoria de Saúde, pós-graduação em administração hospitalar e em gestão hospitalar. Mestrado em gestão de Saúde Pública e doutorado em Educação em Saúde. Tem 12 anos que trabalho nessa área, normalmente sempre em gestão de hospital filantrópico, no serviço público, mais com consultoria e alguns pareceres. Agora no terceiro setor, que é o caso do Hospital Nossa Senhora Auxiliadora, onde assumi oficialmente no dia 12.
O que lhe motivou a pleitear a administração do Hospital Nossa Senhora Auxiliadora?
Primeiro, a minha área de formação, sou professora. Por formar profissionais nessa área e entender que o terceiro setor é de extrema importância para a saúde no contexto brasileiro. Os hospitais filantrópicos respondem por boa parte da assistência aqui no País. É um setor às vezes muito mal interpretado e passa por muitas dificuldades, mas a proposta de uma filantropia é muito íntegra. Antes de a gente falar de fazer bondade, na filantropia, a bondade é uma consequência dela. Na verdade, a filantropia vem para a assegurar o direito da cidadania estar sendo exercida na plenitude. Ela passa pela questão da humanização, do direito do cidadão, de tornar as pessoas mais íntegras, de aprimorar os conhecimentos. O hospital não necessariamente é só um lugar que cuida de doentes, é um lugar que produz conhecimento e que ajusta, indiferente de ser uma Casa Nossa Senhora Auxiliadora, de contexto religioso, é uma casa que cuida de pessoas. Sou neuropsicóloga também e a gente faz um compromisso de assistir pessoas, não fazemos opção partidária religiosa. Meu trabalho é técnico, acredito na possibilidade de recuperação da Casa, potencial da população de se unir, de mobilizar os municípios que dependem também da assistência desse hospital. Isso que me motivou a aceitar o desafio de vir pra cá trabalhar.
Nesses primeiros dias à frente do hospital, o que já foi possível perceber?
As estruturas físicas estão boas, tanto é que a gente tem alvará sanitário. Pode melhorar? É claro. E deve melhorar. A intervenção vem também procurar ajustar essas melhoras, mas é uma estrutura que atende. Hora nenhuma a gente assumiria qualquer tipo de assistência que colocasse a vida de alguém em risco dentro dessa unidade, eu entendo tanto o corpo clínico, quanto a estrutura hospitalar que a gente tem aqui dentro, como boa. Claro que precisa comprar equipamento, recurso, sentar com os secretários dos municípios vizinhos. A gente precisa ter uma conversa única do que queremos do hospital e o que vamos fazer para conseguir isso. Meu objetivo aqui é unir forças, entender se é preciso internar; fazer mais cirurgias, atender à população A ou B, equacionar para garantir uma assistência plena. Afinal, estamos bem distante da capital.
Quais estão sendo as primeiras medidas tomadas pela administração?
Estou fazendo levantamentos técnicos a princípio, juntamente com a minha equipe, do que a gente tem do hospital. Tem uma semana que assumi oficialmente, então, parte documental, estrutura física, demanda e algumas audiências. A princípio, temos que começar a viabilizar processos. Hoje a gente está começando a ver como era a estrutura e viabilizar uma assistência melhor, mais rápida e ter fluxo e contra fluxo do município e fora dele. Posso falar que estamos atendendo, não parou, isso é muito importante. Vou convidar todos os secretários de Saúde, prefeitos das regiões vizinhas, a comparecerem, para se conscientizarem em investigar no que temos aqui e que está salvando vidas. De uma forma ou de outra é o que a gente tem para trabalhar e atende.
Já foi possível levantar a real dívida do hospital?
A dívida está sendo levantada. Eles falam de estimativas, então não vou entrar em valores precisos, porque uma das coisas que vou solicitar é uma auditoria interna e externa. Essa auditoria vai funcionar carta-convite, não é nenhuma empresa da qual tenha conhecimento, quem tiver preço melhor preço e qualidade a gente vai fazer. Foi feita uma auditoria ano passado, mas como está passando por um processo de intervenção, estou assumindo a casa agora, quero ter chão para pisar, saber até onde posso ir. Mas, uma coisa que posso falar com muita propriedade é que sem o apoio dos municípios vizinhos vai ser impossível da gente conseguir levantar a casa. A gente precisa alinhar junto ao Ministério Público que está intermediando, tem uma comissão de fiscalização, que foi eleita e resolvida aqui no município, do qual o meu trabalho vai estar o tempo todo sob fiscalização dessa comissão. Sempre trabalho com gestão aberta, acredito muito na possibilidade de termos um resultado satisfatório, acho que isso é o princípio, acreditar.
Como os funcionários do hospital lhe receberam?
Fui muito bem acolhida, por todos. Me sinto muito em casa. Primeiro que são 12 anos trabalhando no terceiro setor, com filantropia, fui diretora de outros hospitais. É uma casa muito acolhedora, nossos funcionários são parceiros. Ainda não fiz uma reunião coletiva com eles porque não deu tempo, devido à demanda de reuniões externas, mas tão logo a gente irá fazer. Mas, não tive resistência em momento algum, de lado nenhum. Fui bem recebida pelo secretário, pelo prefeito, bispo, enfim, me acolheu. Me senti acolhida por todos, apesar de não conhecer Caratinga antes, só achei muito frio, mas muito acolhedora.
Como será possível resgatar o Hospital Nossa Senhora Auxiliadora?
Não só eu, como interventora, mas minha equipe que veio comigo reconhece a importância do hospital para os munícipes, para a região, a referência. Acredito que o hospital tem um potencial muito grande de crescimento, de sair dessa situação crítica, que não é somente do Hospital Nossa Senhora Auxiliadora, mas podemos falar em nível de Brasil. A saúde atravessa esses problemas, que a gente vem sofrendo. Uma coisa muito importante que temos colocar nesse momento é que o hospital precisa do apoio da população, a gente precisa de credibilidade. Não sou de Caratinga, hoje me sinto parte da cidade e se em algum momento do meu trabalho eu não puder contribuir com meu conhecimento, tenho que ir embora. E isso aqui é do povo, é um hospital que atende a mais de 90% de SUS (Sistema Único de Saúde), que é o papel dele.
Qual o papel da intervenção dentro do hospital?
O papel da intervenção é readequar essas situações que poderiam comprometer o funcionamento e tornar um hospital mais viável. Ao passo que a intervenção pra muitas pessoas possa parecer uma questão de perder poder, autonomia, muito pelo contrário, o meu papel é somar forças. Claro, vou tomar as decisões que têm que ser tomadas, que às vezes não vão agradar todo mundo, mas são necessárias para manter uma instituição de um século e que salva vida das pessoas que estão no entorno. Essa casa não pode fechar, não podemos deixar isso acontecer. Terão momentos que vou pedir apoio da população, tanto com doação, o hospital precisa de ajuda, ser abraçado. A proposta do hospital não é somente cuidar de pessoas, é produzir saúde pública. Fazer com que as pessoas que vêm aqui saiam daqui melhoradas e possam ter uma vida mais digna, mostrar a importância do hospital, não só na microrregião do Vale do Aço, mas para o Estado; capacidade de prestar serviço, reconhecer o que se tem de bom na cidade. Tem muita gente boa aqui, bons profissionais. Críticas virão, não estamos falando em perfeição, tenho meu compromisso moral e ético com a retidão. Tem que ser uma casa reta, justa, com objetivo principal de assistência. Não pode desviar hora nenhuma.
Sua administração tem um prazo definido?
O contrato da intervenção é de 12 meses, podendo ser prorrogado mais 12 meses. Não tem vínculo empregatício, sou uma prestadora de serviços com a minha equipe, formada ainda por um diretor técnico (médico), assessora de Planejamento e gerente financeiro.
Percebemos que a administradora anterior ainda está no hospital. Está ocorrendo o processo de transição administrativa?
Sim. A transição precisa acontecer. Não tem como assumir uma intervenção, fechar a porta e falar que entra uma equipe e começa do zero. Claro que medidas serão tomadas, mas não tem como não haver transição.
Até o momento, o Hospital Nossa Senhora Auxiliadora é o maior desafio de sua vida profissional?
Essa foi a pergunta que eu me fiz no primeiro dia que cheguei, parei meu carro na porta do hospital. Isso é o desafio. A gente está falando de assistência, credibilidade, vida, posicionamentos pessoais dos quais não me interesso tecnicamente por eles. O desafio maior é sobrepor isso e deixar isso aqui de pé. Pode ser que daqui a dois anos eu vá embora e vocês vão ficar com a casa. E ela tem que estar pronta pra continuar. Isso pra mim é o resultado do meu trabalho. Acredito muito mais do que isso, num legado. Não tenho receio de nada, ando tranquila, graças a Deus, não me sinto ameaçada por nada. Conto com a comunidade de uma forma eclética, indiferente de, como eu disse, de credo. O objetivo principal é assistência, não pode estar acima disso nenhum outro interesse.
Para as pessoas que estão esperançosas com essa nova administração, qual é a sua mensagem?
Acredito que acima de qualquer credo, vaidade pessoal ou posicionamento individual, a humanidade precisa aprender a ser mais altruísta, não só na saúde, mas social. A saúde passa por isso. A mensagem positiva que eu deixo é que enquanto eu estiver aqui, estará sempre com as portas abertas. O que eu puder fazer dentro do meu conhecimento técnico, minha alçada, será feito, para manter a assistência, o atendimento, ampliar, essa é a proposta. Peço que a população dê um voto de confiança pra mim. Estou disponível para os líderes de associações comunitárias, é só agendar, por causa dos compromissos. Estou na cidade de segunda a sexta, ainda sem residência fixa, porque não tive tempo de alugar um apartamento, mas ficando 24 horas de plantão no hospital. Qualquer momento que alguma pessoa queira esclarecimento, a gente vai fazer uma gestão clara, não tem nada pra ser escondido, é tudo muito imparcial. Uma gestão técnica. Esse é um dos maiores fatores que me fez assumir, fiquei em segundo lugar, o primeiro desistiu e assumi: trabalhar de forma técnica. Isso que me proponho e vim pra fazer.