CARATINGA – Como toda cidade brasileira, Caratinga enfrenta a questão do lixo. É uma questão que envolve apoio da população, no caso sabendo separar e descartar os resíduos sólidos, e também do poder público, criando os locais indicados para esse descarte, os chamados aterros sanitários.
Para resolver esse problema, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) foi promulgada em agosto de 2010 compondo uma série de diretrizes e metas relativas à gestão integrada e ao gerenciamento ambiental adequado de resíduos sólidos. Seu principal objetivo é a extinção dos lixões e a exigência de que todo resíduo deverá ser processado apropriadamente antes da destinação final.
Para tratar dessa situação, o DIÁRIO entrevista Heverton Ferreira Rocha, que é engenheiro ambiental e sanitarista, além de engenheiro de segurança do trabalho.
Qual a diferença entre aterro sanitário e lixões? Esses são locais adequados para armazenar o lixo?
Através da Lei 12.305/2010, ficaram determinadas de uma vez por todas as formas corretas de realização do gerenciamento de resíduos sólidos em território nacional. Infelizmente mais de 50% dos município brasileiros não adequaram seus sistemas a uma das fases finais do gerenciamento dos resíduos que é a destinação final adequada.
Os lixões não são nada mais que locais onde é lançado o lixo coletado nas cidades sem nenhum critério técnico. São locais insalubres onde se concentram pilhas de lixo a céu aberto, rodeado por urubus e outros vetores que se sentem atraídos pelo mau cheiro, aumentando muito a possibilidade de doenças relacionadas a esses locais. Muitas pessoas moram nesses locais e vivem da catação dos resíduos considerados recicláveis, que entram em contato com chorume (líquido gerado pela massa de resíduos) que além de contaminar as pessoas poluem de forma deletéria o meio ambiente através dos gases gerados e também com a produção de chorume ao alcançar os mananciais superficiais e subterrâneos de água.
Aterro sanitário é um sistema de descarte de resíduos sólidos que utiliza técnicas de engenharia buscando minimizar os impactos que o lixo provoca na natureza. É uma área licenciada por órgãos ambientais, destinadas a receber os resíduos sólidos urbanos, basicamente lixo domiciliar, de forma planejada, onde o lixo é compactado e coberto por terra, formando diversas camadas.
A decomposição do lixo produz metano, gás carbônico e outros gases poluentes que intensificam o aquecimento global. Um aterro sanitário reduz a poluição, colabora para a redução da emissão de gases de efeito estufa, evita odores desagradáveis, pode até gerar energia elétrica e podendo então ser uma fonte de receita por meio de créditos de carbono.
Apesar dos aterros sanitários serem tecnologia consagrada em todo o mundo e uma forma legal de disposição de resíduos sólidos tidos como ambientalmente adequada pela lei 12.305/2010 (Política Nacional de Resíduos Sólidos), pode-se dizer que somente desta forma ela se torna obsoleta.
Apesar de o Brasil ainda estar muito distante da universalização do saneamento básico, principalmente no que tange a problemática de resíduos sólidos, pode-se afirmar que o caminho agora já não é apenas tratar de forma ambientalmente adequada, mas como forma sustentável, deve também observar o aspecto econômico (retorno através de reciclagem e geração de energia elétrica e subprodutos comercializáveis) tanto social e cultural (incentivo de cooperativas de catadores e reciclagem de resíduos sólidos).
O Brasil ao começar a equacionar o déficit que existe atualmente na coleta e tratamento de resíduos sólidos, já pode implementar tecnologias que atualmente são executadas em países como a Alemanha, que é referência no tratamento e recuperação energética de resíduos sólidos.
Para isso pode-se perfeitamente existir um aterro sanitário, mas com “upgrade” que eliminaria o aterramento da porção orgânica dos resíduos (que gera os gases e chorume) com a implementação de biodigestores, recuperando a porção reciclável restaria os rejeitos que antes de serem aterrados poderia passar por um incinerador para recuperar através da queima desses rejeitos produzirem energia elétrica.
Desse processo restaria a escória do incinerador que poderia ser adicionada aos resíduos de construção e demolição, removendo de vez a necessidade de áreas de aterramento de resíduos, mantendo o solo e por consequência o ambiente livre de possíveis contaminações que os aterros sanitários possam produzir por imperícias e descuidos que hoje ocorrem.
Quanto de resíduo sólido é produzido diariamente em Caratinga e o município tem aterros suficientes para comportar os resíduos?
Segundo o Plano Municipal de Saneamento Básico, Caratinga produz diariamente 55,48 toneladas de resíduos pela população local. Lembrando que com a publicação da Lei n.º 11.445/2007, a Lei de Saneamento Básico, todas as prefeituras têm obrigação de elaborar seu Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB). Sem o PMSB, a partir de 2014, a Prefeitura não poderá receber recursos federais para projetos de saneamento básico. Em 20 anos (até 2036) deverá ser investimento, segundo o plano citado, 65.143.389,64 R$ para universalização do setor resíduos sólidos em todo o município de Caratinga.
O aterro sanitário de Caratinga foi projetado segundo seu PCA (Plano de Controle Ambiental) para receber 393.801 toneladas ao longo de 20 anos. Desde sua inauguração até os dias de hoje, o aterro sanitário de Caratinga já recebeu aproximadamente 171.404 toneladas de resíduos. Ainda serão gerenciadas ao longo dos anos no aterro sanitário de Caratinga cerca de 222.397 toneladas RSU, ou seja, mais da metade do cálculo de projeto (ainda resta aproximadamente mais 12 anos de vida útil do aterro sanitário).
Quais os principais problemas enfrentados por Caratinga em relação aos resíduos sólidos?
Os desafios são muitos em qualquer cidade brasileira no setor de resíduos sólidos. Caratinga não é diferente. A educação ambiental é o maior desafio. A população deve realizar a coleta seletiva. Hoje existe coleta seletiva, mas é público e notório que não há eficiência. Das 55,48 toneladas dos resíduos produzidos pela população de Caratinga diariamente, apenas 17% desse total (9,43 ton) é considerada rejeito, esse sim deveria ser aterrado. Os outros 83% tem potencial reciclável e não haveria necessidade de aterrá-los.
A chave da questão é a segregação na fonte (separação no momento da coleta), pois assim a massa de resíduos não se misturaria nos caminhões compactadores e isso levaria a um gerenciamento eficiente dos resíduos, evitando o envio de todo o volume coletado a destinação final no aterro sanitário.
Se levarmos em conta que a densidade dos resíduos sólidos nos aterros sanitários, segundo as normas técnicas devem alcançar 0,7 ton/M³, a vida útil do aterro sanitário ao invés de terminar em 2027 seria elevada para 2040. São realmente números significantes que só podem ser alcançados com investimentos massivos em educação ambiental e na melhora do gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos por parte do poder pública municipal.
Como a tecnologia pode ajudar o país na destinação correta de resíduos sólidos urbanos e atenuar o déficit de aterros sanitários?
É preponderante o uso da tecnologia em todos os ramos da engenharia, não pode ser diferente no saneamento básico. O Brasil possui um potencial gigantesco em energia renovável. A geração de energia elétrica utilizando biomassa é um dos que mais crescem no mundo. A partir da destinação final adequada gerada por uma coleta seletiva eficiente, cada tipo de resíduo tomaria um caminho diferente. Por exemplo, é sabido que 55% dos resíduos sólidos da microrregião de Caratinga é composto por resíduos orgânicos. Esses são os que geram toda cadeia de poluição no manejo em aterros sanitários (geração de chorume e gases estufa), mas se bem gerenciados podem gerar energia elétrica e biofertilizante de alta qualidade. Isso pode ser conseguido com tecnologia alemã.
A capacidade de geração de energia dessa quantidade de resíduos orgânica é de 0,5 GW (GigaWatt) que pode ser vendida para concessionária gerando renda além de ganhos com o mercado de carbono do protocolo de Kyoto – programa da ONU para redução de CO2 como atenuação as mudanças climáticas no mundo.
A grande solução para Caratinga e sua microrregião é a formação do consórcio de resíduos sólidos. Não há mínima condição financeira para que todos os municípios construam aterros sanitários, pois são obras complexas e que demandam um orçamento pujante. Com a atual crise vivida pelos municípios de Minas Gerais, até pequenas centrais de reciclagem estão inviabilizadas.
Através de estudo realizado, foi identificado viabilidade técnica e econômica de Caratinga receber os resíduos das cidades que a circunvizinham, sem que isso esgote a vida útil do aterro sanitário. Ao inverso disso na realidade, haveria ganhos com a reciclagem de resíduos (com implantação de usina de reciclagem), fazendo com que Caratinga seja sede com uma central de reciclagem com produção bastante considerável, gerando ganhos econômicos e sociais através do apoio a cooperativas de catadores de recicláveis da cidade.
Como está a questão da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) em Caratinga?
Segundo o próprio Plano Municipal de Saneamento Básico relata, o município de Caratinga possui uma população residente na área urbana, em sua maioria, os objetivos e metas devem ir de encontro dessa realidade, considerando o perfil da população.
Para que o cenário atual atinja a universalização, faz-se necessária a modernização do setor, incluindo a adequação do quadro funcional e da infraestrutura disponível à demanda real; capacitação dos servidores; estabelecimento de parcerias estratégicas para o desenvolvimento setorial e o levantamento e monitoramento de indicadores de desempenho que possam medir estas melhorias.
Para essa adequação faz-se necessário:
- Reestruturação, Monitoramento E Incremento da Coleta de RSU – Atender com qualidade e de forma ininterrupta o serviço de coleta convencional dos RSU a 100% dos domicílios e com coleta seletiva a 100% do município.
- Ampliação e Monitoramento da Coleta Seletiva – Aumento quantitativo e qualitativo na segregação dos resíduos, de forma a reduzir o volume de resíduos a serem aterrados.
- Ampliação da Cobertura do Serviço de Varrição – Ampliar a área de atendimento com serviço de varrição na sede. Implantar Programa de conscientização da população para diminuir o descarte inadequado de resíduos sólidos e diminuir o índice de obstrução das redes de drenagem das águas pluviais na sede do município de Caratinga.
- Estabelecer Cronogramas e Ampliação da Área Atendida com Serviços de Poda, Capina, Roçagem e Limpeza de Bocas de Lobo – Ampliar a abrangência dos serviços de poda, capina, roçagem e limpeza de bocas de lobo na sede.
- Reestruturação do Sistema Tarifário – Reestruturação do sistema tarifário, conforme prevê a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) – Lei Federal nº 12.305/2010 e a Política Nacional de Saneamento Básico (PNSB) – Lei Federal nº 11.445/2007.
- Regularização Ambiental – Regularizar licenças ambientais para execução de obras e operação dos serviços de limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos
- Projeção e Construção da Usina de Triagem e aproveitamento energético dos resíduos sólidos – Elaborar projeto e construir Usina de Triagem e aproveitamento energético dos resíduos sólidos para atendimento à Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), como forma de permitir o aproveitamento dos resíduos sólidos e o descarte apenas dos rejeitos.
- Capacitação dos Servidores da Limpeza Pública – Implementar um programa de capacitação permanente e continuado que atenda às necessidades institucionais no sentido de proporcionar aos servidores as condições e requisitos necessários ao cumprimento de seu papel profissional, pleno desenvolvimento das atividades, promovendo melhorias de competências e atitudes na execução das atividades de limpeza pública, potencializando o desempenho individual e coletivo, bem como promovendo o desenvolvimento humano, profissional e institucional.
- Gerenciamento dos Resíduos Sólidos dos Serviços de Saúde – Elaborar e Implementar os PGRSS das unidades públicas de saúde; exigir que as unidades privadas de saúde elaborem e implementem o PGRSS.
- Gerenciamento dos Resíduos de Construção Civil – A prefeitura deve elaborar e implementar o PGIRCD, estabelecendo regras para elaboração dos Planos de Gerenciamento pelos grandes geradores de RCD, assim como regras para a coleta transporte, triagem, reciclagem e disposição final, conforme previsto na Resolução nº 307/2002 do CONAMA.
- Implantação do Plano de Gestão Integrado de Resíduos Sólidos – PGIRS – Implantar o PGIRS, bem como regulamentar seu cumprimento. Especificamente em relação dos resíduos de construção e demolição, o Poder Público deve fiscalizar e gerenciar as obras, seja construção, demolição ou desaterro de lotes, para isto deve contar com uma estrutura de fiscalização que seja capaz de orientar geradores e coibir descartes clandestinos de resíduos de construção civil e, assim, contribuir para eliminar os pontos irregulares desses resíduos dispersos no perímetro urbano, tanto na sede como nos distritos/povoado, bem como toda planificação para os resíduos de saúde gerados no município.
O principal ponto a ser abordado seria a busca por parcerias através de consórcio público. Neste contexto, o município de Caratinga, diante da enorme dificuldade em tratar a gestão integrada dos resíduos sólidos face as suas limitações técnicas e financeiras pela qual atravessa, para atender a legislação, deve ser receptivo a parcerias e manifestar interesse de participar de consórcio, proporcionando ganhos em escala, pois possibilitam redução dos custos além de tomar posse da posição de liderança na região em que é o principal município.
Por mais que campanhas tenham sido feitas, o cidadão é consciente quanto a questão do lixo? Ou seja, já sabe separá-lo e descartá-lo nos locais corretos?
Realmente o grande problema da área de saneamento básico, principalmente no pilar resíduos sólidos é a sensibilização da população. O marketing ambiental tem ganhado um cenário novo com a atual conjuntura mundial iniciada pelas preocupações das mudanças climáticas e na região em que Caratinga está situação ficou ainda mais evidenciada com o desastre ambiental do Rio Doce.
Mesmo diante disso a população parece não ligar esses fatos a mudança de paradigma e principalmente de ações que tenham que ser implementadas. Realmente é um tabu a ser quebrado. Isso só vai melhorar se a população acompanhada pelo poder público municipal “comprar” briga. Não adiantará de nada uma parte da população fazer. Todos são parte de um grande e complexo sistema onde se uma engrenagem não funcionar, compromete todo o resto.
Podemos afirmar que educação ambiental passa por uma perspectiva econômica também?
Para que o início da educação ambiental comece a acontecer, é viável um incentivo para o start inicial. A questão econômica influência e muito na aceitação ou não de algum projeto. Geralmente as populações com classe econômica elevada, ao produzir um lixo mais seco consegue realizar uma separação mais eficiente dos resíduos. Mas como na cidade a eficiência da coleta seletiva é muito pequena, isso não faz diferença.
Para uma educação ambiental eficiente todos se encontram no mesmo nível. O segredo está realmente na educação da próxima geração de brasileiros. Esses programas começam a dar frutos a longo e médio prazo (em torno de 15 a 20 anos). Esperamos com distinta esperança o amanhã.
Que possamos entregar para nossas futuras gerações um mundo onde eles possam desempenhar suas atividades sem que os impactos que hoje vivemos os inibam de gozar de um ambiente melhor.