Walber Gonçalves de Souza
Poaia (uma planta), cara (tubérculo), botocudos (nativos), cara (peixe), macacos de caras brancas, matas, rios, flores… a paisagem era assim, quando aqui chegaram os primeiros desbravadores que deram início à história oficial da nossa cidade.
Com o passar dos anos nossa terra foi ganhando novas texturas e enredos. Os sons dos animais sendo substituídos pelos sons dos sinos que badalavam nos cumes das igrejas e anos depois pelos sons dos trens que cortavam a região. Os variados tons das matas pelo verde musgo das folhas do café, os rios repletos de carás e tantos outros peixes transformando-se em escoamento de excreções humanas. As peles uniformes dos nativos substituídas pelas peles multicores, frutos da colonização. A cará e a poaia substituídas pelo milho, feijão e tantas outras plantações. Passamos a vivenciar o preço do progresso que traz consigo suas benesses quando bem feito, e lágrimas quando desordenado, mas que estão presente lado a lado na construção da nossa história.
Com o progresso já fomos considerados uma das maiores cidades de Minas Gerais. Na nossa história encontramos indústrias diversas: do prego à produção de álcool, empresas nacionalmente conhecidas, a presença de grandes lojas varejistas aqui instaladas, nomes de destaque no cenário empresarial nacional.
Somos a terra de uma das vozes mais bonitas do Brasil, de uma miss-brasil, de escritores ímpares, de jogadores de futebol, de presidentes de importantes estatais e autarquias governamentais. Somos a “terra das palmeiras”, dos cartunistas, da bailarina, de tantos cantores… somos a “terra semiárida” onde insiste brotar talentos.
Com o progresso construímos escolas, bancos, faculdades, hospitais, clubes, passamos a ter acesso a uma série de possibilidades que provavelmente ainda não se têm em tantos outros lugares. Nos tornamos uma cidade média, uma cidade polo, uma cidade de responsabilidade microrregional.
Mas acredito que ainda o nosso maior desafio como cidade é fazer com que o progresso chegue dignamente a todos, coisa que ainda não aconteceu. Muitos de nós, concidadãos caratinguenses, ainda vivem as lágrimas do progresso, convivem com tudo que já foi mencionado anteriormente, mas não podem usufruir das benesses que ele oferece.
Somos uma cidade do paradoxo, de grandes contradições sociais, uma cópia fiel, mas em miniatura de tudo aquilo que acontece no Brasil: das corrupções desenfreadas aos empresários e nomes de sucesso; do povo sofrido ao êxtase das festas.
Uma cidade que completa 169 anos, mas que ainda não conseguiu superar desafios do milênio passado, como ter verdadeiramente uma educação de qualidade, esgoto tratado, saúde decente, a falta de cuidado com a cidade e tantas outras coisas que insistem em fazer parte do cotidiano das pessoas.
E talvez um dos motivos de tudo isto pode ser explicado pela nossa trajetória política, nestes 169 anos nossa política ainda se mostra provinciana, não pensamos republicanamente, insistimos nos apadrinhamentos, em mantermos o status quo dos privilégios dos abastados, dos donos dos rumos do nosso município. Como sonhar não custa nada, quem sabe um dia a ordem das coisas se alteram. Pois esta inalterada forma de se fazer política, fez com que Caratinga perdesse o “bonde da história”. Basta olhar o que vem acontecendo com as cidades circunvizinhas e o que vem motivando as nossas lágrimas.
Claro que temos muitas coisas para comemorar, mas conter as lágrimas do subdesenvolvimento ainda é o nosso maior desafio. Não podemos nos contentar com o que somos, é preciso querer mais, pois temos muito o que melhorar.
Parabéns Caratinga! Rumo aos 170 anos, pois a história não para.
Walber Gonçalves de Souza é professor da Fundação Educacional de Caratinga (FUNEC) e membro da Academia Caratinguense de Letras (ACL).