* Simone Aparecida de Sousa Capperucci
Perante os desafios encontrados na educação brasileira faz-se necessário sair dos lugares e sensos comuns e nos embasarmos teoricamente para fazermos discussões mais intelectualizadas e menos escandalizadas apenas em bases empíricas. Se quisermos efetivamente buscar soluções para a educação brasileira deveremos nos despojar de sentimentalismos, tão presentes no caráter brasileiro, e estudar caminhos eficientes e eficazes.
Considerada a importância da linguagem, dentro da educação pretendemos ampliar a discussão sobre a necessidade de analisar os discursos explícitos e implícitos no contexto educativo com o objetivo de ascendermos linguisticamente na capacidade de verificarmos as ideologias subjacentes nos documentos que regem a educação brasileira, seus reais objetivos, e assim, partindo de uma visão sem estereótipos discutirmos possibilidades de rupturas para novas direções.
Para isso utilizaremos como base teórica a Análise do Discurso que é uma disciplina que se interessa por formações discursivas, seguiremos a linha da Análise francesa do Discurso, cujo tipo de discurso que interessa é o escrito, seus propósitos são textuais.
A Análise do Discurso como disciplina teve sua origem na linguística e baseia-se no estruturalismo; estuda as formulações discursivas em suas manifestações explícitas na enunciação e ainda formulando hipóteses, através do interdiscurso, numa “heterogeneidade mostrada”, partindo da polifonia, da pressuposição, da negação, da intertextualidade, a paráfrase, entre outros.
Em todo caso, uma coisa ao menos deve ser sublinhada: a análise do discurso, assim entendida, não desvenda a universalidade de um sentido; ela mostra à luz do dia o jogo da rarefação imposta, com um poder fundamental de afirmação, rarefação, enfim, da afirmação e não generosidade contínua do sentido, e não monarquia do significante. (FOUCAULT, 1996, p. 30).
Portanto, a análise do discurso é um importante instrumento na análise dos programas da educação, uma vez que, à luz da mesma, as ideologias subjacentes poderão ser vistas, os reais interesses mostrados. Por meio de uma leitura das formulações discursivas, os discursos ficam à mostra, sendo as ideologias desmascaradas.
Uma vez que se prolifera o discurso de ser a educação o instrumento através do qual o indivíduo adquire sua liberdade, torna-se um cidadão, importa analisar se a educação brasileira não está sedimentando um sistema social de exclusão, de estratificação social marcado por dominantes e dominados, se a educação não reproduz em seu meio o modelo social na qual está inserida e faz parte.
Essas análises são importantes, pois possibilitar ao educando uma educação crítica, que o habilite ascender-se, transitar dignamente implica uma educação através da qual o educando seja portador de um discurso próprio, que se aproprie do conhecimento, modificando-o de acordo com seu contexto, alterando sua realidade a partir desse discurso apreendido.
Nessa perspectiva, o sujeito deixa de ser o centro da interlocução que passa a estar não mais no eu nem no tu, mas no espaço criado entre ambos, ou seja, no texto. Descentrado, o sujeito divide-se, cinde-se, torna-se um efeito de linguagem, e sua dualidade encaminha a investigação para uma teoria dialógica da enunciação. (BARROS, 2003, p.3)
Através da Análise do Discurso os locutários dos processos enunciativos e os enunciados que constituem as formulações discursivas passam a ser os primeiros objetos de discussão.
Uma vez serem os atos comunicativos resultados das ideologias que constituem os sujeitos dos enunciados, a Análise do Discurso compreende os contextos enunciativos e a forma como esses autorizam ou não o sujeito em suas formulações, uma vez que, considerando os atos de linguagem como atos políticos, existe uma maior possibilidade de análise da realidade escolar, através dos discursos que a materializam.
Contudo, a educação é o espaço de construção de sentidos culturais e identitários, sendo, portanto, necessário que desloquemos parte das discussões sobre educação para o âmbito dos discursos que a constituem e a materializam na prática.
Através dessa análise poder-se-á perceber o espaço construído em seu eixo embrionário, que são os discursos, observar como são divulgadas as ideologias educativas, quem são os locutários do discurso e, acima de tudo, os objetivos dos mesmos.
Sabendo que as instituições escolares são fonte e ao mesmo tempo receptoras de sentido, através da Análise do Discurso poderá se inverter, ou melhor, subverter uma dinâmica, que dentro de outras perspectivas pareceria irreversível, pois ao mesmo tempo em que a Análise do Discurso trabalha utilizando-se da linguagem atua sobre a mesma, uma vez ser esse seu objeto de estudo; seja explicitando as relações de poder que a constitui, atestando os modos de subjetivação que interpõem as relações de poder e autorizam o sujeito, dentro de determinados contextos, a assumirem determinadas posições nessas relações.
Assim considerando, o que dá autoridade ao indivíduo, no caso locutário, a assumir determinadas posições nas relações de poder, são o contexto no qual o mesmo encontra-se inserido e os discursos aceitos como verdades dentro desse espaço comunicativo.
Uma vez destituído da autoridade que o autoriza como sujeito do discurso o indivíduo perde espaço nas relações de poder. Por isso, Foucault, em suas obras relaciona o poder com o saber, saber nem sempre relacionado a conhecimento construído, mas, sim, a verdades estabelecidas.
Outra importante contribuição da Análise do Discurso para a educação é demonstrar serem os atos de interpretação espaços abertos, permitindo a dinamicidade, sua apropriação por direito ou imposição, como tal os mesmos necessitam serem questionados e averiguados, pois através deles pode-se constituir novas verdades, estabelecer novas hierarquias nas relações de poder.
Uma das tarefas da Análise de Discurso é trabalhar a política da língua (sujeita a equívoco) na textualidade ou, em outra perspectiva, apreender a textualização do político. As diferentes leituras podem ser compreendidas a partir dessa textualização do político, das políticas da língua que aí se constituem. E esse jogo nos/sobre os (e não dos) sentidos é a marca dessa textualidade. Logo, é a materialização do político no dizer (e, por ele, temos a materialização da ideologia, presença do equívoco na relação da língua com a história). E dessa forma que podemos concluir que a leitura atesta o modo de materialização dos políticos. Ler é fazer um gesto de interpretação, configurando esse gesto de interpretação na política da significação. Leituras diferentes não são gratuitas nem brotam naturalmente. Elas atestam modos de subjetivação distintos dos sujeitos pela sua relação com a materialidade da linguagem, ou melhor, com o corpo do texto, que guarda em si os vestígios da simbolização de relações de poder, na passagem do discurso a texto, na passagem do discurso a texto, em seus espaços abertos de significação. (ORLANDI, 2001, p.68)
Essas considerações nos possibilitam afirmar que, sendo a instituição escolar veiculadora de verdades, através dos discursos que a constituem, torna-se poderoso instrumento de determinação de poderes.
Com o conhecimento construído sendo acessível em vários meios, a escola perde o espaço de transmitir conteúdos, previamente estabelecidos como verdadeiros, mas não sua função de aparelho ideológico do Estado, como diz Althusser. Continuando sua posição nas relações de poder a escola passa a veicular verdades no que concerne as estratificações sociais.
Como espaço de todos, têm-se uma nova subjetivação escolar. A instituição, espaço para as massas, perde em qualidade na transmissão dos conteúdos transmitidos, pois às massas é desnecessário o preparo intelectual. Precisam apenas serem direcionadas.
Essas e outras verdades vão sendo constituídas sem que, de fato, sejam explicitadas, mas assimiladas como naturais e inquestionáveis, uma vez que são passíveis de averiguação na prática.
Qual o espaço das massas na história de um país que tem sua história construída sobre falsos heróis; independência decretada por estrangeiros?
A massa, no Brasil, sempre cumpriu a função para a qual foi constituída, mão de obra, de preferência acefálica, para atender aos interesses de quem ocupa posições mais privilegiadas nas relações de poder. Reafirmamos a necessidade da Análise do Discurso para analisarmos a educação brasileira, uma vez que, através, dela poderemos perceber as relações da linguagem com o mundo e os objetos a que se propõe.
Desloco as noções de história, de político e de ideologia para o campo dos estudos da linguagem. O político é aqui compreendido de um ponto de vista discursivo sendo definido pelo fato de que o sentido é sempre dividido, esta divisão tendo uma direção que não é indiferente às injunções que derivam da forma da sociedade tomada na história em um mundo significado e significante, em que as relações de poder são simbolizadas. Por outro lado, a ideologia refere o próprio fato de que a língua não é transparente e que há injunção à interpretação em condições de produção em que joga a relação dos sujeitos com os sentidos, no mundo. Sem esquecer que esta relação é trabalhada pelo equívoco, compreendido como inscrição da falha da língua na história. (ORLANDI, 2001, p. 90).
A Análise do Discurso auxiliará o estudo sobre a educação no Brasil, sem os equívocos que os discursos podem permitir trazer dentro das redes ideológicas que constituem a educação.
Através de uma discussão do ponto de vista discursivo, sai-se do foco puramente político partidário para o político-democrático no sentido de que todos devem ser respeitados e terem seus direitos garantidos, cada um na sua singularidade, constituindo um todo. Perde-se o foco ideológico, uma vez que as relações subjacentes são percebidas como possibilidades interpretativas dentro de contextos e de acordo com os locutários.
Essa nova disciplina situará a educação na história que a construiu, sem perder a noção de que também constitui histórias. Partindo do âmbito das linguagens que constituem as relações de poder, constituídos pelas relações discursivas, consideraremos a instituição escolar dentro do contexto dos sujeitos e práticas discursivas aos quais ela insere e está inserida.
*Esse texto é parte da Dissertação de Mestrado intitulada: EDUCAÇÃO PARA AS MASSAS OU EDUCAÇÃO DE MASSAS: ANÁLISE DO DISCURSO EDUCATIVO DO PROGRAMA BRASIL ALFABETIZADO – FASE V – NA CIDADE DE NANUQUE – MG
REFERÊNCIAS:
BARROS, Diana Luz Passos; FIORIN, José Luiz (Orgs.) Dialogismo, polifonia, intertextualidade: em torno de Bakhtin. 2. ed. São Paulo: USP, 2003.
FOUCAULT, M. L’Ordre du discourse. Trad. de Laura de Almeida Sampaio. São Paulo: Loyola, 1996.
ORLANDI, E . Discurso e texto: Formulação e circulação dos sentidos. Campinas: Pontes, 2001.
* Simone Aparecida de Sousa Capperucci, Formada em Língua Portuguesa e suas literaturas pelo Centro Universitário de Caratinga (UNEC ) em 1997 , pós -graduada em Língua Portuguesa em 1998 pelo UNEC, especialização em Literatura e Línguística aplicada em 2005 .É professora de Língua Portuguesa nas séries finais do ensino fundamental e médio da rede pública de ensino do Estado de Minas Gerais, desde 1996, mestre em Educação e Linguagem pelo UNEC em 2010. Professora do Centro Universitário de Caratinga nos cursos de Pedagogia, Letras.
Mais informações sobre o autor(a), acesse: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4245469E9