* Águida Pereira Martins Silva
Estavam o mestre coelho e o mestre pavão a conversar após um dia de trabalho. Mestre pavão com suas lindas penas coloridas, charmosas por natureza, parecia dono do mundo. Era bom professor de Literatura e Geografia. Aparentemente parecia ter doutorado em Ética, pois falava baixo e procurava cumprir com seus deveres como manda o figurino.
Sempre cheiroso e bem trajado, desfilava pelos corredores da escola, abraçando todos os recursos necessários para com eficiência atender seus alunos.
Mestre coelho por sua vez, ficava a ouvir, falando e opinando no momento certo. Pulava daqui e dali, buscando ampliar seus conhecimentos fundamentando nos melhores teóricos da época: a doutora foca; doutor urso, o mestre tigre a doutora joaninha.
Mestre coelho tinha um pensamento firme determinando suas atividades, não sendo “Maria vai com as outras”. A pequenez de sua boca e seus dentes afiados demonstravam silêncio no cumprimento dos deveres. Sempre foi o amigo dos amigos, pois seu olhar tranquilo transmitia amizade e paz. A característica mais visível do mestre coelho era a moral. Brincava com todos, mas dentro dos limites, respeitando a individualidade de cada um. Gostava de contar piadas, mas observava quem estava ao seu redor, e se a piada não era tão pesada, capaz de ferir a beleza do corpo. A sexualidade dos bichos. Dar risadas era a sua sobremesa, ria como ele só, mas nada de crítico nem de escândalos. Mestre coelho era bravo, mas sua bravura estava dentro dos preceitos de um bom professor que sabe ser amigo, cordial, solidário, criativo, amoroso, e compreendia que o respeito é primordial na vida dos bons mestres.
Questionava todos os dias sobre o homem da pedra e suas ferramentas de trabalho. Pouca coisa para tão grande construção… De que é preciso um mestre? Mestre coelho usava tudo, aproveitava tudo e ensinava a seus alunos a arte de pular, ter um pelo branco e macio. Para ele, a formação dos bichos era essencial. Por isso, sentava e conversava com os alunos sobre a vida na sociedade do reino animal.
Dizia ele: – Não queremos ser o leão por ser ele o rei dos animais. Cada um de nós é um rei por excelência.
Assim, a floresta estava composta por dois professores considerados capazes e que poderiam ajudar na formação dos bichos estudantes.
Mestre pavão, por sua vez dizia:
– Deus me livre, não aguento mais a formiga. Ela parece doida. Mexe com todo mundo e adora atrapalhar as aulas com suas danças irritantes.
– O macaco parece um débil mental, pula de galho em galho, e faz gracinha o tempo todo da aula.
– A cigarra? Tenho que chamar seus pais aqui na escola. Ela canta, sem parar, estrondando meus ouvidos. Nem a quero na minha sala.
– A girafa é a pior de todas. Estica aquele pescoço comprido e distrai-se olhando para todos os lados, menos para o quadro. Se pudesse, torcia seu pescoço ou esfregava a cara dela na parede.
– A coruja parece órfã de pai e mãe. Dorme o dia todo e parece uma lesma, não faz nada direito.
– A borboleta voa o tempo todo e só pensa em passear pelo jardim. Essa eu já desisti, vou lidar com quem interessa.
– O elefante coitado, só tem tamanho, não sabe nada. Nas aulas que distribuo os jogos de madeira para trabalhar com a matemática, ele fica igual um bobalhão empilhando e enfileirando as peças. Só sabe brincar. Parece que não tem brinquedo em casa. Também uma pobreza danada…
– Meus alunos precisam de um médico especialista no assunto, pois cada um tem um defeito pior. Eu já fiz tudo e eles não querem nada. É só um médico que vai resolver. Vou levar o caso para o doutor camaleão, o diretor da escola.
Mestre coelho ouviu tudo aquilo e saiu calado, pois estava triste, assustado e preocupado com as atitudes do mestre pavão.
A noite chegou. Mestre coelho resolveu procurar o mestre pavão para uma conversa. Mestre pavão, todo educado, preparou um chá para o colega de trabalho e convidou-o a sentar-se na sala de estar.
Mestre coelho fitou os olhos nos olhos do mestre pavão e disse:
– Mestre pavão, o que você mais gostava de fazer quando era criança?
– Ah, mestre coelho, eu adorava abrir minhas penas em leque e desfilar pelos corredores da escola e pelos caminhos da floresta, jogando charme e alegria.
– E se alguém te proibisse de fazer isso?
– Ah! Eu morreria, pois desfilar é até hoje o meu hobby preferido.
– Mestre pavão, como você chegou a ser professor, desfilando todos os dias pela floresta? Na escola, o que faziam seus professores? Eles não te proibiam?
– Não, mestre coelho. Na escola, eu era o primeiro a desfilar e abrir meu leque colorido. Os professores faziam dramatizações, teatros, danças, auditórios, passarelas para desfiles e até mesmo na sala de aula, uma vez por mês tinha o auditório particular da turma, onde treinávamos para apresentar nos auditórios da escola. Era fantástico: como eu tenho saudade daquele tempo…
– Mestre pavão, eu fico pensando, hoje você disse que seus alunos precisam de um médico porque sabem cantar, dançar, observar tudo como a girafa, fazer gracinha como o macaco faz, empilhar objetos como o elefante, voar pelos arredores da floresta como a borboleta. Será que você não precisou de um médico por ter o dom precioso de passar nas passarelas e abrir com arte as belas penas?
– Mestre coelho, eu estou te estranhando.
– Não, mestre pavão, não me estranhe não, é só um questionamento. Já passou.
– Mestre coelho, esse assunto me interessou. Estou aqui refletindo…
– É, mestre pavão, a vida tem dessas coisas… Um dia nós nos sentamos nos bancos da escola e quem sabe não fomos parecidos com a girafa ou o elefante? E tem mais, mestre pavão. Pra falar que um dos alunos precisa de psicólogo, devemos saber com quem falar e como falar, porque alguém pode nos pedir uma prova disso. E daí, que resposta teremos?
Mestre pavão fechou com cautela suas penas e disse:
– Eu preciso repensar minhas atitudes. Você me ajuda mestre coelho?
– Claro! – respondeu mestre coelho, ainda dizendo:
– Saiba, amigo, a vida escolar é muito séria. Precisamos nos conscientizar de que tudo pode ser mudado para melhor, se estivermos abertos a mudanças para o bem dos bichos estudantes. Saiba também que é de um simples canto que renasce a vida. (cigarra). É da plenitude da dança que se aprende a pensar. (formiga). É observando tudo que passamos a enxergar o mundo com os olhos do coração. (girafa). É pulando de galho em galho que ultrapassamos tantos obstáculos. (macaco). É dormindo que descansamos o corpo e refrigeramos a alma. (coruja). É empilhando tijolos que se constrói um edifício. (elefante). E é amando cada ser na sua individualidade que descobrimos que Deus não nos fez iguais, e nem por isso deixamos de ser irmãos. Pense nisso!
*Águida Pereira Martins Silva é diretora da Escola Municipal Nossa Senhora do Carmo em Piedade de Caratinga, escritora, membra da Academia de Caratinguense de Letras de Caratinga, e membra correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni.