*José Geraldo Batista
Estava eu numa fila enorme em mais um banco. Como demoram os atendimentos nesses bancos. Dizem que existe uma lei que regulamenta tais atendimentos. Segundo um conhecido meu, o correto é que o cliente não fique mais do que quinze minutos na fila. Nobres leitores, prestem atenção no que foi dito: “na fila”. Deve ser por esta razão que alguns bancos arrumaram cadeiras para os clientes, ou melhor, “esperantes”. Se o cidadão está assentado, não está na fila, quer dizer, não ficou nem um minuto nela, passou pela porta detectora de metais – inclusive detecta também: botão de calça, armação de sutiã, marca-passo, alguns remédios e alguns aparelhos ortodônticos – e lá estava uma linda cadeira aguardando por aquele ou aquela cliente. Assim, podemos inferir – bela palavra muito utilizada pelos filósofos e linguistas Herbert Paul Grice e John Langshaw Austin – que as instituições financeiras, que têm o prazer em “cuidar e guardar” nosso pecúlio, preferiram investir em cadeiras de espera a investirem – usando a regência mais erudita – em pessoas. É isso aí, todos nós podemos fazer nossas escolhas. Mas isso foi só para encher “linguiça”– depois do novo acordo ortográfico e da operação carne fraca, esta palavra tem aparecido escrita assim mesmo, sem o “trema.”
O fato é que estava eu naquela cadeira, segurando um pedaço de papel que, segundo o pessoal daquele banco, é uma senha, contudo naquele momento não serviu para nada, pois a tela onde aparece, de vez em quando – costuma demorar uns 30 minutos –, o número do referido papel entrou em curto circuito, e assim os dois únicos atendentes do banco, naquele momento (pois era horário de almoço), precisavam de se levantar e gritar um número acompanhado de uma letra qualquer que a senhora que estava ao meu lado não soube explicar a mim o que significava. Quando eu disse que a tela, ou melhor, as telas das chamadas senhas tinham entrado em curto circuito, uma outra senhora que estava em pé (não havia cadeira para todos os clientes) corrigiu-me imediatamente, dizendo que era curto “circuíto”, assim como a palavra “gratuíto”, com acento no “í” que, inclusive o apresentador do jornal havia pronunciado desta forma no dia anterior. Bem, na hora eu pensei, será que o apresentador de jornal fugiu das aulas de Língua portuguesa? Antes que eu terminasse meu pensamento, um rapaz se levantou do seu assento – acho que ele é universitário, está estudando Letras – e discordou da correção daquela senhora e começou a nos dar uma bela aula de Língua Portuguesa. Em alguns momentos as discussões tornaram-se um tanto inflamadas e me preparei para me esconder atrás de um biombo, com medo de que aqueles acalorados debates se transformassem em agressões físicas. A verdade é que todos nós estávamos cansados e demasiadamente nervosos por nos encontrarmos ali naquela espera confusa e demorada. Tudo isso que eu disse neste último parágrafo também foi para encher “linguiça” (sem o trema) e também serviu para um desabafo que há muito tempo eu esperava para fazer.
Na verdade, eu quero é relatar outra coisa. Depois de uma hora e dezesseis minutos de espera e os ânimos mais acalmados, um senhor com ares muito pacíficos, fugindo da procrastinação que é um hábito muito comum em tempos hodiernos –, depois os leitores façam-me o favor de olharem no dicionário os significados destas palavras – percebeu que eu estava meio assustado com aquela situação e fez-me uma pergunta em voz bem baixinha, quase um sussurro, que me pareceu ter o objetivo de me relaxar um pouco: “Olha, menino, eu tenho uma dúvida. Sempre quero perguntar, mas acabo me esquecendo. Como nós já estamos aguardando a mais de uma hora, e parece que vai ainda demorar o atendimento, eu pergunto: ‘Zuenir’ é verbo?” Fiquei assim meio que sedado por alguns instantes, como se a alma tivesse se retirado do corpo, fiquei longe, mas na verdade, eu estava era tentando encontrar uma resposta para aquela indagação que me pareceu meio capciosa. Aquela moça que nos responde lá no Google disse-me que “capciosa é um adjetivo na língua portuguesa, que qualifica algo ou alguém que procura enganar, induzindo ao erro”; gostei da palavra e estou usando. Com o pouco conhecimento e informação que tenho a respeito, respondi àquele senhor que talvez ele estivesse querendo dizer zunir – verbo da terceira conjugação –, que pode significar zumbir, produzir zunido, movimentar-se produzindo zunido forte e agudo. Porém fiquei imaginando qual seria o motivo da pergunta e se era mesmo confusão com o verbo zunir. Quando eu declinava mentalmente as palavras zunir e zuenir, constatei que automaticamente completava com outra: Ventura. É, parece mesmo que movimentar produzindo bons ruídos e não “viver em voz baixa” sejam mesmo características de Zuenir Ventura, pois seu nome sugere uma ação verbal e seu sobrenome uma aventura. Os leitores sabem quem é Zuenir Ventura?
De acordo com as informações biográficas que colhi no site da Academia Brasileira de Letras e no site da Agência Riff, Zuenir Ventura nasceu em Além Paraíba (MG), em 1931. Aos 11 anos, mudou-se com a família para Nova Friburgo (RJ) e começou a trabalhar com o pai, como pintor. Depois foi contínuo de banco, faxineiro e balconista. Em 1954, na cidade do Rio de Janeiro, cursou faculdade de letras e logo começou sua extraordinária carreira de jornalista. Ele é o sétimo ocupante da Cadeira n.º 32 na Academia Brasileira de Letras, foi eleito no dia 30 de outubro de 2014, na sucessão do Acadêmico Ariano Suassuna, e recebido no dia 6 de março de 2015, pela Acadêmica Cleonice Berardinelli. Em 2008, Zuenir Ventura recebeu da ONU um troféu especial por ter sido um dos cinco jornalistas que “mais contribuíram para a defesa dos direitos humanos no país nos últimos 30 anos”. Em 2010, foi eleito “O jornalista do ano” pela Associação dos Correspondentes Estrangeiros. Fiquei sabendo também, que O repórter, cronista e literato Zuenir Ventura já veio a Caratinga e fez uma Palestra no “Auditório Professor Celso Simões Caldeira”, no UNEC.
Bem, era isso que eu queria contar para vocês, caros leitores. Desculpem-me o texto truncado, cheio de explicações entre os parênteses e os travessões: tudo foi intencional, tentativa de prender a atenção dos senhores. Aquelas duas horas e nove minutos que fiquei esperando dentro de um banco para ser atendido, isto porque sou cliente especial, valeram-me para alguma coisa, não é? Vocês perceberam que durante meu caso apareceram duas palavras muito parecidas: “acento” e “assento”? Dizem que elas são homófonas. Quando os senhores tiverem um tempinho, pesquisem a respeito, é muito interessante! Só mais uma coisinha: vocês preferem ficar quinze minutos na fila ou duas horas e nove minutos na cadeira?
* José Geraldo Batista é Professor Titular do Centro Universitário de Caratinga – UNEC, membro da ACL – Academia Caratinguense de Letras e colaborador no NUDOC – Núcleo de Documentações e Estudos Históricos. E-mail: [email protected]
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