Caratinguense vence maior prêmio para jovens marcas do país
DA REDAÇÃO- A LED, do caratinguense Célio Dias, foi a vencedora da 10ª edição do Ready to Go, concurso do Sindicato das Indústrias do Vestuário no Estado de Minas Gerais (Sindivest-MG), com a coleção ‘Andarilhos’. Consagrado na programação do Minas Trend, a premiação aconteceu no dia 5 de abril, no Expominas, em Belo Horizonte e os presidentes da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Olavo Machado Junior; do Sindivest-MG e da Fiemg Regional Vale do Aço, Luciano Araújo e a jornalista Lilian Pacce, entregaram o título de primeiro lugar para o estilista.
Célio vem se destacando no cenário da moda e é enfático ao afirmar: “Eu sempre gostei de discutir gênero e sempre acreditei que roupas não têm designação”. Com essa visão, o estilista pretende demonstrar uma ‘democracia sexual’ nas roupas e que cada um pode se vestir como se sentir melhor. Isso fica bastante visível nos seus trabalhos. O estilista busca quebrar o que chama de imposição. “É o mesmo que falar que rosa é de menina e azul de menino, nunca foi e nunca será”.
Nesta entrevista, o DIÁRIO DE CARATINGA traz um pouco sobre a arte de Célio Dias e sua visão sobre a moda no Brasil atualmente.
Você entrou na faculdade de moda aos 16 anos e aos 17 recebeu o convite para participar de um evento de grande porte. Como foi sair de uma cidade do interior para abraçar esta oportunidade?
Eu me formei em Juiz de Fora, de onde tenho muitas saudades e amigos. Quando fui convidado para integrar o line up do Fashion Days (evento da cidade) foi lindo. As coisas aconteceram de forma experimental, então não tinha muita regra. Eu sempre gostei de discutir gênero e sempre acreditei que roupas não têm designação, todo mundo pode usar o que quiser. Quando saí de Caratinga e me aventurei nessa oportunidade foi incrível, consegui discutir e evoluir a partir dali, percebi que meu trabalho passou por metamorfoses assim como eu e como eu acredito que todos nós passamos. Aquele Célio é diferente do de hoje e não me culpo de amanhã ser diferente, poder me reinventar todos os dias é algo que aprecio e gosto. Acho que eu sempre fui assim e o tempo me fez amadurecer. Hoje eu olho para trás e já se passaram 10 anos, tenho um orgulho imenso de ter vivido tudo que vivi.
Como surgiu a LED e o que significa nome?
A LED surgiu do meu desejo de ver minha moda na rua, tudo dentro da marca vem desse universo e é pra esse universo que a gente cria. LED veio de luz, a tradução da sigla significa diodo emissor de luz e quando pensei no nome era justamente isso que queria; que as pessoas usassem as roupas não só como roupas, mas, de forma que se expressassem também, de forma que emitam sentimentos.
Suas roupas têm preços variados. Podemos dizer que a LED está ao alcance de todos?
Sim. A LED foi pensada justamente para a quebra de padrões, então somos para todos.
Fale um pouco sobre a inspiração e proposta de ‘Andarilhos’, que garantiu a premiação da LED na Ready to Go, nesta edição do Minas Trend.
Uma vez que gênero, sexualidade e desejos são dispositivos históricos do poder, o corpo pode significar um espaço estético de resistência. Se a moda pode ser definida como modos coletivos de agir, viver e de se reconhecer, a não categorização das peças possibilita a afirmação da diferença e a liberdade de ser quem você quiser ser e de se vestir de acordo com o que se sente.
A coleção ANDARILHOS reconhece o potencial político de nossos corpos nas ruas e convida as pessoas para uma fuga da normatividade, experimentando diversas formas de ser. A partir de um trabalho incessante de pesquisa sobre o nomadismo, a marca criou a coleção ANDARILHOS que é repleta de elementos que definem a forma como a LED enxerga o mundo e o ser contemporâneo. O homem é de natureza livre e tem um espírito nômade, porque ele nunca para. Sempre em movimento, ele absorve a cidade e as suas viagens como se fosse o mundo e carrega tudo consigo. Sua roupa, então, torna-se a sua própria bagagem com referências do passado e projeções do futuro. Trata-se de um corte no tempo que permite transitar entre passado, presente e futuro.
Um listrado geométrico foi produzido para a coleção, batizado de “riscos” e traduzido em uma estampa que remete aos vários caminhos percorridos e não-lineares. A cartela de cores é enxuta e trabalhada principalmente no branco, cinza, preto e off white. A intenção nesta coleção foi mesclar tecidos utilitários que promovem visuais sofisticadamente despojados, como o neoprene e crepe trabalhado em estampas digitais; o linho e a malha, ora mais estruturados, ora mais leves. Outra novidade são as peças feitas em telas de algodão com intervenções têxteis.
As modelagens se contrapõem: as amplas e estruturadas e super cosmopolitas são ultraconfortáveis, enquanto outras propõem a união do streetwear com a alfaiataria descontruída e referências esportivas em peças como vestidos, coletes, blusas e saias. O shape da t-shirt, um dos destaques da linha, foi inspirada no movimento urbano da rua para a rua e ganhou estampas que buscam referência nos muros e nas ruas, de forma estilizada. ANDARILHOS, embora street, prega o conforto e o lifestyle despojado em roupas que tornam-se um acúmulo de histórias e referências de lugares e pessoas que cruzam os nossos caminhos.
O que representou esta premiação e como você vê esta ‘vitrine’ para novos talentos?
Coragem e esperança. O Sistema FIEMG, o Sindivest e o TS Studio que me proporcionaram estar entre os 12 concorrentes do prêmio são com certeza um exemplo de que precisamos de mais iniciativas no Brasil para os jovens. Vencer o maior prêmio para jovens marcas do país me deu um gás e me renovou completamente, com um produto que foge do senso estético comum e que além de roupas tem um lifestyle que conversa muito com os movimentos sociais que estamos vivendo atualmente foi, sem dúvidas, muito especial.
Você costuma dizer que a LED é uma moda sem gênero. Como é pensar em uma “democracia sexual” nas roupas, frente a uma sociedade que ainda mantém rastros do preconceito?
Na verdade o que eu sempre disse e acreditei é que roupas não tem gênero, nunca tiveram. Tudo que vivemos hoje é imposição, é o mesmo que falar que rosa é de menina e azul de menino, nunca foi e nunca será. Os seres humanos podem escolher ter gênero ou não, isso vai de cada um, já a roupa nunca teve. Para mim existe liberdade de gênero e devemos respeitar cada uma. Não temos rastros de preconceito, temos muito preconceito, somos o país que mais mata LGBT no mundo e isso é inadmissível. Vivemos com medo e temos que provar o tempo todo que somos capazes, então quando eu penso em uma moda sem padrões eu quero justamente desmistificar isso, somos todos iguais e temos direito de escolher o que quisermos ser.
Muitos dizem que o conforto é a tendência que nunca sai de moda. A LED também traz essa proposta?
A LED é uma roupa que começa a ser pensada a partir do conforto. Criamos peças que possam ser usadas e adaptadas para diversas horas e muitas ocasiões. Peças sem ditadura de estação, tudo atemporal e consciente. A moda deve conter proposito e nós temos muito.
Como você vê a moda no Brasil atualmente?
Vejo hoje um mercado cheio de gente corajosa e que tem raça. Fazer moda no Brasil (e no mundo) é complicado, muitas das vezes somos engolidos pelo fast fashion, e hoje eu consigo enxergar uma rede muito grande de pessoas que como eu tiveram coragem. Estamos todos no mesmo barco e nos ajudamos muito, isso é importante. Em Minas, especificamente, acho que estamos conseguindo dar um novo olhar para a moda mineira, que é conhecida apenas por bordados, estamos dando um fôlego novo e falando que Minas não só faz essa moda. O Brasil é um celeiro de jovens talentos, e essa nova safra que vem com muita sede de fazer é maravilhosa e vai trazer fôlego para a moda brasileira.
Sabemos que você gosta de Belchior, então te presenteamos com essa pergunta. Olhando sua trajetória, você se considera um ‘sujeito de sorte’?
Eu não me considero apenas um sujeito de sorte; me considero um sujeito que lutou muito para conquistar o respeito e colocar meu trabalho na rua. Eu nunca imaginei que tudo que está acontecendo agora fosse acontecer, mas olho para trás e vejo noites em claro, muitos “perrengues”, mas ao mesmo tempo muito apoio familiar e pessoas certas no meu caminho. O caminho não é cheio de glamour e construir uma moda com propósito é complexo. Seguimos firme!
Parte da coleção ANDARILHOS season 02
Ficha Técnica
Foto: Célio Alves
Beleza: Lucia Lapouble
Concepção: Célio Dias
Styling: LED
Modelos: Ariel Moura, Gabriel Afonso e Vitor Zuim