Prefeito da capital mineira fala da situação atual do país e analisa o papel do PSB no cenário nacional. Ele ainda comentou sobre sua forte ligação com a região de Caratinga
CARATINGA – Márcio Lacerda (PSB) visitou Caratinga no dia de ontem. Ele veio participar de um encontro do partido, do qual é o presidente em Minas Gerais. Mesmo com uma agenda repleta de compromissos, ele encontrou tempo para uma visita à redação do DIÁRIO e ainda concedeu entrevista.
Embora tenha concorrido ao seu primeiro cargo eletivo somente em 2008, Márcio Lacerda tem uma longa trajetória no meio político, tendo iniciado nos anos 60, quando lutou contra a ditadura militar. Formado em Administração de Empresas, Lacerda não fala com a eloquência dos políticos tradicionais, pelo contrário, fala de modo calmo, mas isso não o impede de demonstrar convicção em seu raciocínio. O seu conhecimento sobre gestão pública o levou à presidência da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP).
Durante a entrevista, Márcio Lacerda analisou a situação atual do país, comentou sobre a importância do PSB, fez um balanço de sua administração e ainda reforçou sua ligação com a região de Caratinga.
Qual avaliação o senhor faz da situação atual do Brasil e do papel do PSB nesse momento?
Em primeiro lugar, obrigado ao Diário de Caratinga por essa oportunidade. Caratinga tem uma presença muito forte na minha vida. Parte da família da minha mãe é daqui (Silva Araújo). Meu pai era carioca, casou-se em Inhapim, trabalhou para a Secretaria de Agricultura, como agrimensor, baseado aqui em Caratinga durante mais de 10 anos. Eu, inclusive, morei em Caratinga algum tempo da minha infância. Então é muito bom, sempre, estar de volta às minhas raízes. Além de presidente estadual do PSB, sou presidente da Frente Nacional de Prefeitos desde abril do ano passado, coincidindo com esse momento difícil da vida brasileira, porque logo no início no final de 2014, início de 2015, ficou muito claro pra todos nós que o país estava entrando em uma crise econômica e se revelou também uma grave crise política, que vai durar ainda um bom tempo. E o PSB, nesse processo, tem se pautado para buscar um equilíbrio entre as diversas posições mais extremadas, tem contribuído para o debate, no sentido de buscar não só a solução para a crise política, mas também para a crise econômica.
E essa crise é muito grave, porque, nos últimos anos, o país teve um processo de crescimento na sua economia, distribuição de renda, aumento da renda média familiar, um forte aumento na oferta de empregos, inclusive para os mais jovens; muitas pessoas tendo acesso à educação e esse impacto de repente de passar uma fase de prosperidade, esperança, futuro sempre risonho, cair depois numa realidade difícil, com o choque para população brasileira. E as causas são múltiplas, vem de certa paralisia provocada por essa ilusão de prosperidade contínua, infinita, e que acobertou crises políticas. O nosso sistema político eleitoral está falido há muito tempo, ele não atende à população brasileira no sentido dela poder se expressar democraticamente e ver refletido nos poderes legislativos e executivos, seus anseios mais legítimos. O processo político da forma como é conduzido se reflete na administração, produziu essa crise econômica. É uma crise econômica muito grave e não sairemos dela num prazo curto. É muito grave porque não é uma crise só de um déficit orçamentário corrente, entre receitas e despesas do governo federal, estados e municípios; há uma dívida imensa a pagar, que cresce muito. Essa é a grande interrogação hoje entre os economistas: Como equilibrar essa dívida e mantê-la num nível razoável em relação à produção nacional de riqueza sem que ela exploda. Não há nesse momento a possibilidade de vender ilusões. Na medida em que estamos nos aproximando de uma eleição municipal em mais de 5.500 municípios é importante que os candidatos se expressem com sinceridade, verdade, sem vender ilusões, mostrando à população a real situação das finanças públicas e o que é possível fazer em quatro anos. Ninguém mais aceita ser enrolado, ninguém mais aguenta mentiras da parte dos políticos. O PSB tem procurado em Minas Gerais, nós hoje (ontem) estamos completando 40 cidades visitadas, exatamente discutindo com os dirigentes políticos de vários partidos a necessidade de mostrar pra população que a política não é só enganação, não é só corrupção, tem muita gente boa querendo se oferecer para ser vereador ou prefeito. É preciso que a população identifique na hora de votar quem são de fato as pessoas de bem, que têm a ficha limpa, experiência real de comando, gestão e liderança, conhecimento teórico de finanças, alguma coisa de engenharia, que entendam de recursos humanos, porque a prefeitura é uma máquina de prestar serviços à população. Então, essa máquina, apesar das dificuldades financeiras. A gente vê aqui em Caratinga, que tem um orçamento muito pequeno em relação à população, não chega a R$ 1.500 por habitante, e Belo Horizonte, com quase R$ 4.000 por habitantes, está tendo dificuldades esse ano, teve que cortar muito, imagina aqui em Caratinga. Então com um orçamento desse, a prefeitura tem que pagar despesas que seriam obrigação do Estado, do Governo Federal, precisa ter muito carinho com a população para mostrar essa realidade e pedir ajuda à população para se construir com união, discussão aberta, participação, mostrar a possibilidade de parcerias com as empresas, igrejas, ONGs, com os governos Federal e Estadual, para buscar sustentabilidade na administração. E a sustentabilidade significa muitas coisas, não é só proteger a natureza. É criar emprego, renda com investimentos privados, é preciso trabalhar com o recurso que se tem pra melhorar os indicadores sociais e isso acontece quando se dirige os recursos para aqueles mais desiguais, que precisam mais. É preciso sustentabilidade na política e se faz isso trazendo a população pra dentro da informação, da realidade do município. O que nós defendemos é isso, sinceridade, verdade, transparência, responsabilidade na gestão é o que o PSB defende.
O PSB foi criado a partir da Esquerda Democrática e o senhor tem um passado de militância política. Hoje, com tantos partidos, falta ideologia ou sobram ideologias?
Na realidade, essa infinidade de partidos acontece por uma falha grosseira da legislação político eleitoral. Hoje, qualquer pessoa reúne 500 mil assinaturas, registra um partido e passa a ter participação em tempo de televisão e em fundo partidário. Então, são muitas empresas, às vezes com um único deputado federal, às vezes não tem nenhum deputado e recebem, às vezes, até um milhão de reais por ano e vai pra mão de uma pessoa. Tem que prestar contas. Isso é uma aberração. Essas pessoas vendem essas legendas em estados, por sua vez quem comprou a legenda num estado vende na cidade do interior e se transforma num negócio. Nós temos que acabar com isso, o partido para ter de fato o acesso a benesses pagas com recursos públicos, deveria ter uma votação mínima, num número mínimo de estados. Esse é um dos problemas. Então, para representar as diversas tendências ideológicas, da extrema esquerda à extrema direita, com as suas nuances, convergindo para o centro, não mais do que sete ou oito partidos seriam suficientes pra representar de fato visões de mundo, de estado, país e município.
Daqui algum tempo, quando falarmos de sua candidatura em 2008, vamos nos recordar que partidos antagônicos, como PT e PSDB, lhe apoiaram. Como isso se deu?
Entre 2007 e 2008, o país tinha saído da crise do Mensalão do PT. O presidente Lula estava no centro daquela crise e acabou conseguindo se reeleger, pois a economia estava num momento bom. A popularidade dos governantes estava muito ligada à situação da economia. Se economia estivesse bombando no ano passado, dificilmente teria havido impeachment da presidente Dilma. Naquele momento, vários políticos importantes entenderam que a crise que levou ao Mensalão e suas consequências tinham origem do arranjo partidário daquele momento, da briga entre PT e PSDB, que acabavam quando pra se eleger ou para governar, se unindo a representantes do fisiologismo mais grosseiro no Congresso. E pra isso tinha que arrumar dinheiro e arrumaram daquelas formas que todo mundo sabe. Então havia uma vontade entre diversas lideranças de criar um novo movimento político e se tivesse havido uma boa junção entre PT e PSDB das bandas boas desses dois partidos lá atrás, muitas das crises teriam sido evitadas. Então, tentou-se um laboratório em Belo Horizonte e entrou nessa discussão o Ciro Gomes, Eduardo Campos, Pimentel, Aécio, etc., com a benção inclusive do Lula e de outros. Foi um laboratório que funcionou um pouco, mas de repente essa contradição, briga entre PT e PSDB voltou com força e em 2012 essa aliança se rompeu.
O PSB é um partido muito forte em Belo Horizonte desde a administração de Célio de Castro (1996). Agora como está o processo sucessório na capital mineira?
Você tem razão, o PSB sempre teve uma presença, quadros filiados ao partido de muito bom nível e que se refletiu nessa eleição, na gestão de Célio de Castro, mas que depois ele ficou ali cercado pelo PT na administração e teve então depois que se mudar de partido. Mas, o PSB, então teve esse protagonismo, mas, sempre num papel secundário. Porém, desde 2008 passou a ter um protagonismo maior, o que não significa o PSB dizer ou tentar mostrar que é dono da situação. Estamos lá na Prefeitura, numa aliança de 18 partidos e que têm participação na gestão. Estão envolvidos no projeto de construção, que é coletivo internamente no sentido dos objetivos da cidade e por isso está dando certo. Conseguimos criar uma união de fato na administração. Nós estamos tentando, na eleição desse ano, reproduzir uma aliança liderada pelo PSB, que reflita o máximo de apoios, não necessariamente em números de partidos, mas, aquilo que representa a contribuição de partidos que colocaram pessoas de bem na administração, ou seja, administração deu certo, os partidos colocaram pessoas de bem na administração. Quem não era pessoa de bem teve que sair, às vezes saiu até preso, por iniciativa nossa. Esperamos que possamos eleger o nosso candidato com a boa aliança esse ano, porque a cidade anseia por uma continuidade daquilo de bom que nós fizemos. Estamos fazendo e que tenha um sucessor que vá agregar novas contribuições, criar alianças novas e que desperte, mantenha e concretize na população uma esperança de dias cada vez melhores.
Em sua administração a questão da mobilidade urbana é bastante elogiada. Além disso, quais outros setores o senhor destaca?
Nós trabalhamos desde 2008 o Primeiro Plano de Governo, reproduzimos isso no Segundo Plano de Governo em 2012, um diagnóstico da cidade, vinculado à sua história, à contribuição que as outras administrações fizeram e foram excelentes, tanto que demos continuidade a elas. Dividimos os nossos dois planos de governo em 12 áreas de resultados, onde se inclui educação, saúde, mobilidade, questões ambientais, direitos básicos de cidadania, assim por diante. Essas 12 áreas resultaram em 40 projetos e se desdobraram em centenas de ações. Com diagnóstico, buscando resultados, no curto prazo, para o mandato, mas ancorada numa visão de futuro que se concretiza num planejamento estratégico 20 anos à frente, que hoje é de 15 anos. Então, qualquer administração que venha vai herdar um modelo de gestão que conversou com a população, viu quais eram as prioridades e procurou projetar isso no futuro, falando em demandas possíveis de atender em 4, 8, 12 anos e assim por diante.
O senhor é prefeito de Belo Horizonte, um cargo que é historicamente considerado um ‘trampolim’ para chegar ao governo de Estado. O senhor tem pretensões de concorrer em 2018?
Entre 2013 e 2014, muitos queriam que eu fosse candidato a governador. Teria excelentes chances naquele momento, muitos apoios. Mas, entendi que era minha obrigação terminar meu segundo mandato, ou seja, cumprir aquela missão que eu propus à população na eleição de 2012. Então eu tinha um compromisso de chegar a 2016 cumprindo o máximo daqueles compromissos assumidos. Entendi que não seria bonito largar um mandato de quatro anos com um ano e meio para tentar outra disputa. Agora, esse ano, o objetivo é terminar bem o mandato, fazer o maior número possível de entregas e eleger um bom sucessor, com uma boa aliança política. Não me preocupo sobre o que vai acontecer em 2018. Espero continuar sendo presidente estadual do PSB no próximo ano, o mandato da Frente Nacional de Prefeitos termina no final de abril, então terei um protagonismo político com uma visão de longo prazo que é continuar estimulando as pessoas de bem a se juntarem ao PSB como militantes e se juntando a pessoas de bem de outros partidos pra continuar despertando na população o interesse legítimo pela boa atividade política e mantendo a esperança, fé e visão de que é possível ter um país mais justo e humano.
Ainda falando de sua gestão frente à prefeitura de Belo Horizonte, recentemente o Conjunto Arquitetônico da Pampulha foi considerado pela UNESCO, órgão da Organização das Nações Unidas para a Cultura, Ciência e Educação, como Patrimônio Cultural da Humanidade. Como foi conseguir esse feito em sua administração?
A Pampulha, todos sabem, é uma bela história construída por Juscelino, quando prefeito na década de 40 e que além de ter um espaço de lazer, desenvolvimento humano, ele quis que fosse um espelho da criatividade, da arte brasileira e trouxe Niemeyer, Portinari e tantos outros, pra fazer ali um conjunto de obras que refletissem a força da modernidade brasileira e mineira. E a modernidade mineira ali se expressou sem perder seus vínculos com a tradição, contribuição do barroco. A Pampulha já é um tesouro desde aquela época e ao longo dos anos, vários movimentos foram feitos para revitalizá-la, cuidar da lagoa, etc., mas a ocupação desordenada da cidade, não só em Belo Horizonte, mas principalmente em Contagem, contribuiu para uma forte degradação. Desde 1996, o Brasil colocou a Pampulha como candidato ao patrimônio da UNESCO. Esse assunto não andou e no final de 2012, depois de se tomar várias iniciativas para qualificação da orla, para obras de melhoria, cuidar da água da lagoa, apresentamos à UNESCO a proposta de curto prazo cumprir todas as obrigações para se candidatar. Apresentamos a UNESCO, ao Itamaraty e ao Ministério da Cultura, então a UNESCO nos mandou um caderno de obrigações, em menos de dois anos entregamos um dossiê e eles fizeram a inspeção. Segundo dizem, provavelmente, foi o título concedido no menor espaço de tempo na história da UNESCO, ou seja, menos de quatro anos. Isso é uma vitória não só de Belo Horizonte, é de todo o povo mineiro e do Brasil também.
O senhor é presidente do PSB de Minas, que administra cerca de 30 prefeituras no estado. Qual a meta do partido para essas eleições?
Temos 239 pré-candidatos, possivelmente nem todos se lançarão, mas é um pouco difícil prever um resultado. Temos muitos prefeitos em boa situação nas pesquisas, boas alianças. Nós ansiamos chegar próximo de cem prefeitos.
João Marcos Grossi Lobo Martins tem suas raízes em Caratinga. Qual a importância dele para o partido?
O João é um militante de anos do PSB, como foi o seu pai (Mauro Lobo, ex-deputado estadual e ex-secretário de governo). Ele tem uma experiência que vem de família forte na política. É uma pessoa muito dedicada, advogado preparado e que no PSB municipal, como presidente, fez um excelente trabalho. Em 2012 elegeu uma boa bancada do PSB na Câmara de Vereadores de Belo Horizonte, o partido teve suas contas todas aprovadas, sem nenhum problema. Está no PSB desde julho do ano passado comigo e posso dizer que é o braço direito do presidente, começou como tesoureiro, recentemente mudou para secretário-geral. Diria que hoje João Marcos é a maior referência no dia a dia do partido em Minas. É suplente de deputado estadual, mas dependendo dos resultados que nós teremos nas eleições para prefeito, poderá, já em janeiro, ser alçado à Assembleia Legislativa.
É importante que os candidatos se expressem com sinceridade, verdade, sem vender ilusões, mostrando à população a real situação das finanças públicas e o que é possível fazer em quatro anos.