Marcela de Souza Batista
João Guimarães Rosa é um dos maiores autores da literatura mundial. A mim, toca de forma especial, cortante e fugaz. E o fato de não saber definir bem o porquê disso acontecer é o que me faz cada vez mais atraída pela obra do desbravador de diversas almas… entre elas, a minha. Quando terminei a última página de Grande Sertão: Veredas, senti que ali terminara minha maior experiência literária. Cada vez que termino de ler um livro de Guimarães Rosa é como se um ciclo dentro de mim se fechasse e outro se abrisse.
A primeira impressão, porque sinto que Rosa sempre me ajuda a entender a respeito das pessoas. Através de jagunços, boiadeiros, moradores do sertão de Minas, ele nos expõe conflitos vivenciados por homens e mulheres de todo o universo. São pensamentos e indagações que, muitas vezes, fazemos em momentos de introspecção e que não ousamos revelar para ninguém:
“… careço de que o bom seja bom e o ruim ruim, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! Quero os todos pastos demarcados… Como é que posso com este mundo? Este mundo é muito misturado.”
A sua literatura é universal e isso faz com que ele seja um dos autores brasileiros mais traduzidos para diversas línguas. O que fez sua obra estender-se pelo mundo foi a admiração que suas metáforas despertam, junto da metafísica e de sua linguagem inovadora e poética.
“O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais.”
“-‘Adianta querer saber muita coisa? O senhor sabia, lá para cima – me disseram. Mas, de repente chegou neste sertão, viu tudo diverso diferente, o que nunca tinha visto. Sabença aprendida não adiantou para nada… Serviu algum?”
“– Êpa! Nomopadrofilhospritossantamêin!”
Todo o mistério que nos envolve – tensões, dúvidas, medos, amores e relações (na maioria das vezes conturbadas) e as crenças em nossos mitos, filosofias, religiões estão presentes na obra de Rosa:
“Se não, o senhor me diga: preto é preto? branco é branco? Ou: quando é que a velhice começa, surgindo de dentro da mocidade?”
“Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar, é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois no fim dá certo.”
A segunda impressão se dá quando percebo que a literatura não é, não foi e não será um ciclo que nos prende a uma só interpretação e feitura. Pelo contrário: a magia da literatura está justamente aí, em não ter sido terminada, em estar pura, em estado de latência, e nós precisarmos arrancar os significados pessoais que cada um “estamos” capazes, naquele momento de nossa vida, de descobrirmos. “Estamos” porque a significação que os textos literários adquirem em nossa vida dependem de vários fatores, entre eles: o período da vida pelo qual estamos passando, o nosso estado de espírito, de maturidade, a nossa experiência literária…
Rosa conseguiu, em sua época, um processo inovador que chocou muitos brasileiros e lusitanos. As palavras recriadas ganham força e significado novos:
“As metáforas de Guimarães Rosa são tantas e tão originais que produzem um efeito poético radical: o efeito de ressaca do significado novo sobre o significado corrente. A gente lê, por exemplo, que ‘o sabiá veio molhar o pio no poço, que é bom ressoador’, e não fica apenas com uma admirável vocação acústica; as palavras `molhar’ e `poço’ descongelam-se, libertam-se da sua hibernação dicionarística ou corrente, e perturbam como um reachado todavia surpreendente.” (Oscar Lopes – crítico português)
Rosa, quando faz essa inovação com a linguagem, supera a ideia de “novidade” que muitos julgam que era a que ele tinha quando se propôs a escrever (embora eu acredite que sua intenção sempre esteve muito além). Abriu um mundo “extra” para aqueles que se propõe a se entregar ao processo literário, que é construído por fantasia, adaptações às realidades individuais do leitor,
“O senhor… Mire e veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão.”
Logo, concluo que esse texto não tem conclusão. Esse texto fica aberto às interpretações que aqueles que se dispuserem a essa tarefa irão conseguir: ver nascer novas visões pessoais, mais puras e mais bonitas da vida, da natureza, do homem, do amor, da relação homem/mulher, da linguagem sendo utilizada para explicar o que está trancado dentro de nós. A literatura é igual à vida: não possui um “enfim”, já que acredito, assim como Rosa, que
“Viver é etecétera.”
*Marcela de Souza Batista. Graduada em Letras pela Universidade Federal de Ouro Preto e pós-graduanda em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Trabalha como professora de Literatura, Língua Portuguesa, Redação e Redação Técnica. Participou da coletânea literária Blônicas 2: A vez dos leitores, da Editora Nova Esfera e da coletânea Marcas Eternas: Contos de Amor, da Editora Andross.