CARATINGA – O funcionário público José Carlos Damasceno fala que o ato de fiscalizar está no seu sangue. Há muito ele vem desempenhando esse papel e denuncia o que ele entende se tratar de desvios de conduta dos gestores públicos. Isaac Newton já dizia que “para toda ação existe uma reação”, como José Carlos moveu várias ações, ao longo desses atos ele colecionou alguns admiradores e conquistou muitos desafetos.
Filiado ao Partido Republicano Brasileiro (PRB), José Carlos adianta que não tem nada pessoal contra aqueles que ele denuncia, apenas fiscaliza a coisa pública. Nessa entrevista, também disponível no site www.diariodecaratinga.com.br, ele foca suas críticas à gestão do prefeito Marco Antônio e os trabalhos do legislativo. Para ilustrar seu raciocínio, ele cita a compra de remédios a preços superfaturados e um termo aditivo firmado com a empresa TEN Comunicação Integrada Ltda., a fim de prorrogar o contrato firmado pela administração anterior com a agência publicitária.
Você sempre fiscaliza as ações do poder executivo, trabalho esse que é função dos vereadores. O que te motiva a fazer essas ações?
Sinto essa obrigação. Não fiscalizo uma empresa privada, fiscalizo a coisa pública. Vereador não é dono, secretário não é dono, aquilo é do povo. Temos que acompanhar e mesmo acompanhando vemos tantas denúncias e até desmandos por parte dos gestores. Então é preciso existir esse acompanhamento.
Você está fazendo essa fiscalização há muito tempo. Hoje você é uma pessoa que conhece muito dessa área de apuração?
Sim, questionamos o que é público. O que está lá não é do prefeito anterior e nem do atual, é da população. Mas creio que fiscalizar está no sangue. Nós questionamos desde a época do saudoso Dário Grossi, mas hoje os desmandos por parte dessa administração tem se superado. O prefeito atual acha que é dele, faz e compra do seu jeito e pensa que está atrás de um balcão de negócios. Repito: é coisa pública, não é dele. Às vezes as pessoas pensam que ele age assim porque não quer ficar mais quatro anos, mas parece que não vai querer largar esse osso e vamos acompanhando.
Uma de suas denúncias é sobre a transparência dos gastos dos gastos públicos, que devem estar disponíveis no site do órgão público. A Prefeitura de Caratinga não estava agindo dessa maneira?
É interessante essa questão e vi até o prefeito sendo entrevistado e falando que ele implantou o Portal Transparência. Isso é uma inverdade, quem de fato implantou o portal foi a gestão passada (João Bosco Pessine), isso foi em 2011. O atual prefeito deu uma repaginada, mas fica disponível algum tempo e depois as informações somem. Essa atitude acabou gerando uma denúncia. Nas poucas vezes que o portal trouxe as informações, foi num espaço de tempo muito curto. Foi até assinado um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), mas mesmo assim não estão sendo postadas essas informações. Não sabemos dos gastos. Então o prefeito mente quando fala que ele fez essa implantação, pois ele não implantou nada. Assinou o TAC e não cumpriu. Então, com certeza, irá responder a mais uma ação.
Você analisa que a falta de informação é uma forma de defesa, caso haja algo errado, pois até mesmo os vereadores reclamam dessa falta de informação?
Alguns poucos vereadores têm ido até a tribuna para reclamar que não têm tido acesso, mas essa dificuldade não é só deles; o prefeito nega informações até ao Ministério Público. Muitas vezes o oficial de justiça tem que encontrar o prefeito e intimá-lo a fornecer tais informações. E quando responde ao MP, ele fala ‘meia-boca’. Exemplificando, o Ministério Público pede o ‘A’, o ‘B’ e o ‘C’, mas ele só manda o ‘A’.
Em sua avaliação, o prefeito age assim de forma intencional?
Não só eu; até o Ministério Público vê dessa forma, pois pede três itens e manda apenas um e não responde a contento. Às vezes pede mais tempo para passar as informações. É uma dificuldade conseguir tais dados com a prefeitura. Então se o MP, que é órgão que tem o poder fiscalizador, tem essa dificuldade, imagina o vereador? Imagina o cidadão? Pedir informações não é privilégio só da Câmara. Mas os gestores usam estratégia para ganhar tempo. Posso citar como exemplo um caso de superfaturamento em que o promotor de justiça precisou solicitar quatro vezes um processo administrativo de compra. Só na última vez que passaram as informações.
Mesmo com tanta dificuldade em conseguir informações, você angariou dados, muitas vezes aceitos pelo MP, para agilizar ações?
Interessante observar que os gestores se valem da lei até mesmo para fornecer algum documento. Muitas vezes tem até 30 dias para te fornecer o que foi pedido. Mas houve situações que passou do prazo e foi preciso chamar a polícia para acompanhar o oficial até o Departamento de Compras. Sempre brincamos que o Departamento conta a sua história e nós contamos a nossa. No caso do superfaturamento de compras de remédios até houve o bloqueio dos bens dos envolvidos no valor de 300 mil reais. Fizemos solicitação e houve a negativa, depois não entregaram todos os documentos. Entramos com mandado de segurança e a justiça determinou que entregasse todos os documentos relativos a essas compras. Para nossa surpresa houve caso que se comprava diretamente no balcão da farmácia.
Ainda sobre este assunto, há uma denúncia do MPMG contra o prefeito Marco Antônio, Sueli Amorim, que era então a secretária municipal de Saúde; e Fábio Peixoto Roque, o proprietário da farmácia. Essa é uma denúncia penal, não somente administrativa?
O prefeito sempre fala que não existe dolo em suas ações. É um direito de ele falar isso, pois é réu e o investigado pode mentir, mas o procurador de Combate aos Crimes Cometidos Por Agentes Políticos não vê dessa forma. Esse caso dos medicamentos foi denunciado na área cível. O promotor não pode denunciar o prefeito numa ação penal. Então assim que ajuizou a ação de improbidade administrativa, ele encaminhou essa peça para o procurador, que viu dolo na ação do prefeito. Ele acusa o prefeito de desvio de recursos públicos, assim como a ex-secretária e o dono da farmácia. Quem fala isso não sou eu, é o procurador que os denuncia numa ação penal.
Então o prefeito é réu numa ação penal?
Existe um processo investigatório por parte da Procuradoria de Combate aos Crimes Cometidos Por Agentes Políticos, onde o procurador-geral do Estado pede ao tribunal uma ação contra o prefeito Marco Antônio, a ex-secretária Sueli Amorim e o proprietário dessa farmácia. Agora eles têm 15 dias para apresentar a defesa, mas o procurador está convicto que houve desvio de recursos públicos. O procurador não vê da mesma forma que o prefeito tenta passar.
Você leu a entrevista do prefeito, publicada pelo DIÁRIO na edição do dia 24 de março de 2016. Então a situação não é aquela passada por ele?
Como lhe disse, o réu tem direito a mentir. O que estou querendo deixar claro é que o procurador-geral do Estado não vê dessa forma. A Procuradoria já viu dolo em outra ação do prefeito, que foi denunciado e resultou numa ação de improbidade administrativa, que foi naquele caso da agência de publicidade, a TEN Comunicação. O promotor denunciou sobre improbidade e deixou indisponível o valor de 300 mil reais. O prefeito diz que não existe dolo, mas por duas vezes o procurador não analisou dessa forma. Em relação a essas duas ações penais; acredito que ele terá mais dificuldades para poder explicar a questão dessas compras superfaturadas de medicamentos.
O problema do governo Marco Antônio está no setor de compras?
Em relação ao desvio de recursos públicos quem está dizendo é o procurador. Cabe agora ao Ministério Público estadual provar. Não é o Zé Carlos ou outro cidadão que está dizendo isso. É um tema complicado. Muita gente pergunta sobre o ex-secretário de Fazenda (Juarez Júnior da Silveira), que não foi denunciado nessa ação penal. Ele só foi denunciado na ação de improbidade administrativa. Não foi denunciado na ação penal porque o pregoeiro da época e o diretor do Departamento de Compras foram chamados para depor e foram categóricos ao dizer que essas compras superfaturadas de medicamentos foram feitas diretamente pela Secretaria Municipal de Saúde. Esse processo não passou pela Secretaria de Fazenda. Diante desse fato, excluiu-se o ex-secretário de Fazenda.
Quantos processos existem contra o prefeito?
Na comarca de Caratinga ele é réu na ação da compra superfaturada de medicamentos, em relação à fraude processual da agência TEN Comunicação, existe ação referente à demolição de um prédio (Edifício Joaquim Rosa de Oliveira) que foi incendiado (em 2 de fevereiro de 2005) na Avenida Olegário Maciel, quando o município pagou 300 mil reais por essa demolição. Em relação a essa denúncia, ela não se atém a demolição do prédio, houve um aditivo à empreiteira para rebocar a lateral do prédio ao lado. Porém o proprietário do prédio ao lado também pagou a empreiteira por esse serviço. A empresa recebeu duas vezes. Nós cidadãos pagamos para rebocar a lateral do prédio, mas isso não constava na determinação judicial. A justiça determinou que fosse feita apenas a demolição, mas fizeram o aditivo de 79 mil reais para que fosse feito esse serviço. Porém, existe um contrato de prestação de serviço entre dono do prédio e a empresa que fez a demolição. O município pagou por algo que não era de sua responsabilidade.
E sobre o coreto Ronaldo Calazans, na Praça Cesário Alvim, a reforma custou 140 mil reais. Houve alguma ilicitude nessa obra?
Se pegar o projeto de elaboração, a primeira empresa, aquela que iniciou os trabalhos, não recebeu; depois houve a segunda empresa. Então essa obra deve ter custado uns R$ 200 mil. Outro dia brincava com um amigo e disse que as flores que colocaram em torno do coreto ficaram em torno de 3 mil reais. E nós pagando por isso tudo.
Na última reunião da Câmara Municipal, realizada na terça-feira (10), o vereador Fausto (PMDB) denunciou que a prefeitura estaria pagando aluguéis com valores acima do mercado. Existe fundamento nessa denúncia?
Temos que ver essa questão dos aluguéis com muita cautela. É algo tão absurdo que eu tenho que esperar o poder público se manifestar. Um aluguel mensal de garagem na ordem de 1.400 reais é até difícil de acreditar nesses valores. Eu já questionei sobre alguns aluguéis que a prefeitura está pagando, mas em Caratinga é complicado, não sei se isso acontece em outros lugares, mas pagamos o aluguel da casa onde mora o sargento do Tiro de Guerra. Como cidadão acho isso um absurdo.
Eu já denunciei também sobre as peças superfaturadas. Foram pagos 600 reais por bateria de 60 ampéres. A prefeitura licitou depois e pagou até 210 reais por essa mesma bateria. O município pagou 790 reais por uma bateria que seria utilizada numa Kombi. O secretário de Educação (Jaider Rodrigues) tem carro, ele deve saber o valor de uma bateria. É ele que assina o empenho e tem uma bateria de 790 reais e não questiona. Então fica mais difícil para o prefeito ver uma situação dessas.
Diante dessas denúncias, como você analisa o papel da Câmara Municipal?
Antes de entrar nesse tema, volto à compra de remédios superfaturados, onde o prefeito foi denunciado. Isso em 2013 com a compra de remédios diretamente no balcão da farmácia. Logo em seguida, em 2014, ele licitou e continuou comprando a preços superfaturados na terra do ET, em Varginha. Aí penso que a culpa não é do prefeito, é do responsável pelo setor de compras. Ele é reincidente na questão do superfaturamento. Enquanto o cidadão comum compra a cinco reais a sacola de cinco quilos de açúcar, o município pagava R$ 12 pelo mesmo produto. Até o promotor solicitou perícia nesse caso.
Voltando a pergunta anterior, o vereador Fausto pediu Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre os aluguéis, apenas três vereadores assinaram e outros quatro ficaram de analisar. Os vereadores da base aliada estão coniventes com os erros ou querendo evitar CPI’s como na gestão passada que não deram em nada?
Parece ser uma questão de interesses. Em 2014, nós denunciamos vários vereadores naquela questão do nepotismo. Fica difícil esperar a fiscalização por parte do vereador se ele tem um familiar trabalhando na prefeitura. Denunciamos a vereadora Dona Eva (PSDB), denunciamos os vereadores Sebastião (PSC), José Ronaldo (PSB), Andreza (PMDB) e outros mais pelo mesmo motivo. Fica difícil esperar algo, pois a base do governo é a grande maioria.
Na gestão passada, a Câmara foi criticada por criar muitas CPI’s, agora essa é criticada por nada investigar. Fausto, Diego (PSD) e Betinho (PP) parecem que estão sozinhos em suas denúncias. Teremos que esperar a ação do Ministério Público?
O MP tem feito o papel dele e o papel dos vereadores. Antes de chegar ao Ministério Público, o caso dos remédios superfaturados chegou à Câmara. É o MP que tem feito a parte dos vereadores. É triste constatar que apenas três ou quatro vereadores que estão sempre questionando. A Câmara de Caratinga não vê nada. Tivemos um advogado trabalhando na Câmara por dois anos e durante esse período, ninguém nunca viu esse advogado por lá. Foi instaurada uma CPI e ela entendeu que realmente ele não trabalhou, mas quando foi levada ao plenário, mandaram arquivá-la.
Você diria que a administração de Marco Antônio é viciada nas questões de licitações e compras?
Naquela entrevista feita pelo DIÁRIO com o prefeito, foi falando que ele responde a 19 ações; ele deveria saber quantas são. Prefiro pensar que falta pouco para o cidadão entender que não dá mais para aguentar do jeito que está. Se depender dessa Câmara, com os vereadores ganhando o que ganham, nós não teremos resultado algum.
O prefeito Marco Antônio pode ser candidato à reeleição e concluir o seu trabalho nos outros quatro anos. O que pensa sobre isso?
Ele quer disputar essa eleição. Agora eu não sou ‘Mãe Dináh’, mas falo com quase certeza, se for reeleito não vai cumprir essas coisas em seu outro mandato. Pelas denúncias, que estão bastante avançadas, se for reeleito, não vai terminar o mandato, pois essas denúncias são graves. Não é do meu conhecimento, mas acredito que nunca tivemos um prefeito respondendo a uma ação penal. Ele é acusado de desvio de recurso público. Falo como cidadão, nada pessoal contra o prefeito, mas quando ele tomou posse, analisamos as suas nomeações e as criações de alguns cargos. Isso demonstrou ao que ele veio. Hoje temos dentro da prefeitura, chefe da seção de produção cinematográfica, chefe de produção da seção fotográfica. Existe o Departamento de Esportes, mas o prefeito criou o Departamento de Administração de Equipamentos Esportivos, criou um departamento para guardar bolas. Já existe o Departamento de Esportes, será que esse diretor não poderia cuidar disso? Um desses diretores nomeou a sua namorada. O prefeito nomeou sua ex-mulher. Não existe nada de ilegal, mas mostrou ao que veio. O prefeito já foi até questionado sobre essas contratações, mas ele disse que foram por competência, pode até ser, mas o cidadão precisa saber disso para saber em que ele votou.
Quais suas considerações finais?
Faltam cinco meses para as eleições. Precisamos muito mudar essa Câmara, pois do jeito que está não pode ficar. Na legislatura passada teve um movimento, “Pensa Caratinga”, que deu uma sacudida. Precisamos de novo desse movimento para mudar as coisas que estão aí.
BOX
O QUE JOSÉ CARLOS PENSA SOBRE:
Dilma Rousseff, presidente afastada por 180 dias e sofre processo de impeachment
“Foi uma enganação”
Lula, ex-presidente do Brasil
“Outra enganação”
Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil
“Construiu uma base para que colhêssemos alguma coisa. Hoje, lamentavelmente, o PT desencaminhou essa base”
Aécio Neves, senador da República
“Precisa resolver essa questão da Operação Lava Jato, onde ele foi citado”
Fernando Pimentel, governador de Minas Gerais
“Também uma enganação. A mídia tem mostrado isso através das denúncias. Ele tem ficado em silêncio e precisa esclarecer”
Mauro Lopes, deputado federal
“Já tá de passagem, tá passando”
Adalclever Lopes, deputado estadual e presidente da Assembleia Legislativa de Mina Gerais
“Pode chegar lá e ser deputado federal também”
Eduardo Cunha, presidente afastado da Câmara dos Deputados
“Acho que tem que pagar pelos seus erros, mas nós brasileiros ficaremos devendo essa para ele. Se não fosse o Cunha não teríamos o impeachment da Dilma”
Renan Calheiros, presidente do Senado Federal
“Equilibrado. Tem conduzido de forma muito tranquila esse processo de impeachment”
Marco Antônio Junqueira, prefeito de Caratinga
“Decepção”
Ernani Campos Porto, ex-prefeito de Caratinga
“Administrou razoavelmente bem em seu segundo mandato”
João Bosco Pessine, ex-prefeito de Caratinga
“Errou muito no início de seu governo. Acho que se ele pudesse voltar atrás não teria comprado aquele pedacinho de terra. Mas tem menos denúncia na justiça do que o atual prefeito”
Odiel de Souza, vice-prefeito e pré-candidato à prefeitura de Caratinga
“Ele tá certo em defender o seu nome. Acredita que pode chegar e está nessa pré-campanha”
Dr. Welington, delegado de polícia e pré-candidato à prefeitura de Caratinga
“É uma boa pessoa, bom policial. O vejo como bom político, é uma pessoa acessível”
Márcio Didi, presidente do EC Caratinga e pré-candidato à prefeitura de Caratinga
“Boa praça. Não o vejo como político, todo mundo para ele é bom. Eu não vi nenhum desses pré-candidatos, exceto o Van Gogh, falar desses desvios de recursos. Se todo mundo é bom, não precisa de candidato, não tem problema para a cidade”
Sérgio Antônio Condé, presidente da Câmara Municipal de Caratinga
“Acho que ele surpreendeu. Mas vai pagar um preço, pois acho que ele deixou a base dele meio de lado. Nem é sua culpa, talvez falta de iniciativa do executivo, que não lhe deu apoio na base”
Supremo Tribunal Federal
“Está mostrando que o Brasil só funciona desse jeito, mas acho que precisaria intervir mais”
Deus
“É tudo”
Família
“Primeiro Deus, depois a família”
Imprensa
“Necessária. Se não fosse por ela não teríamos condições de mostrar o que de fato acontece na cidade”.